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Estado de Minas O Brasil visto de Minas

A política é cada vez mais o domínio das ficções e não dos fatos

O principal dilema da política contemporânea é que é preciso mentir para vencer eleições e é preciso dizer a verdade para governar


21/10/2023 04:00
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A política hoje, aqui e em toda a parte, é cada vez mais o domínio das ficções e não dos fatos. Quem tem o talento para alinhavar as melhores narrativas, mesmo distanciadas da realidade, conquista as mentes e os corações. Mesmo antes das redes sociais e da multiplicação dos canais de informação a verdade nunca foi o ingrediente preferencial do discurso político. O que era diferente era que a circulação dos discursos era muito mais limitada e não contaminava a sociedade inteira. Agora, com o caos informacional no qual estamos envolvidos, todas as ficções, por mais inverossímeis que sejam, são acolhidas sem reservas. O mundo da política ficou parecendo uma viagem noturna com os faróis apagados. O desprezo pelos fatos é uma arma poderosa nas corridas eleitorais, mas não é um bom recurso para as tarefas de governar. A grande dificuldade dos governos é que uma população educada na fantasia nem sempre encara com resignação a dureza das soluções reais. Este desencontro está na raiz do descontentamento com a democracia e da fragilidade dos governos democráticos.

O principal dilema da política contemporânea é que é preciso mentir para vencer eleições e é preciso dizer a verdade para governar. Este dilema explica o encolhimento do chamado centro político, aquele campo que abriga as pessoas mais realistas, mais equilibradas e que tem um certo pudor em dizer aquilo em que não acreditam. Este retraimento alimenta a fortuna dos extremismos ou do cinismo. Um amigo meu, com certa dose de sabedoria, me disse a respeito do candidato que atualmente lidera a campanha presidencial argentina: se o candidato acredita no que está pregando, estamos diante um louco perigoso e precisamos nos acautelar; se ele não acredita, é apenas um cínico e aí teremos apenas a política como ela é. Entre a loucura e o cinismo precisamos encontrar um novo caminho.

O governo Lula está prestes a completar o seu primeiro ano e ainda não cumpriu uma das poucas promessas de campanha que foi unir os brasileiros. Até agora a retórica do governo é francamente partidária e todos os postos-chaves da administração estão entregues a expoentes do seu partido. Todo o seu esforço de conciliação está voltado exclusivamente à formação de sua base de apoio parlamentar, sem nenhuma consequência para o conjunto da sociedade. Não seria injusto afirmar que até agora o governo continua apostando na polarização. As pesquisas já divulgadas confirmam que as divisões políticas estão inalteradas e que o apoio ao governo coincide com sua votação em outubro de 2022. Nosso país está imóvel.

Uma sociedade dividida é uma sociedade incapaz de resolver os seus problemas. O que se passa nos Estados Unidos e em Israel, por exemplo, é a prova dos danos e dos perigos da polarização interna. Falando no mundo exterior, os traços mais partidários do governo Lula estão presentes na sua política externa, na condescendência com as notórias ditaduras da Venezuela e de Cuba e na sua indisfarçável simpatia com os regimes autocráticos, tornada explicita na sua avaliação da invasão da Ucrânia e na recepção do Irã e da Arábia Saudita nos BRICS. A vocação autoritária das esquerdas latino-americanas deixou uma marca profunda no partido do presidente. Esta nunca será uma política externa que vai unir os brasileiros.

No campo do crescimento econômico o governo está imobilizado por sua atração pelo passado, quando o crescimento possível para o Brasil é sinônimo de mudança e mudança profunda. O grande economista Albert Hirschman já dizia que todo modelo de crescimento traz em si o germe da obsolescência. Mesmo em caso de sucesso cada modelo trata de desequilíbrios que são específicos do período e, portanto, precisa ser constantemente reinventado. Repetir o passado não é uma alternativa, embora o modelo esgotado tenha produzido clientelas que se beneficiam desproporcionalmente de suas instituições e tem poder para se opor às mudanças.
 
Insistindo na divisão dos brasileiros e em visões do passado o governo pode resistir e até vencer novamente, mas o Brasil certamente perderá.



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