Em 2015, presenciei Richarlison pela primeira vez da arquibancada e entendi mais tarde por que o futebol é feito mesmo de memórias.
Desde criança, quando ia ao antigo Independência ver o América, colecionei na memória alguns jogos que certamente ficaram marcados mais que outros. Hoje, relembro um que foi muito especial.
Era dia 10 de novembro de 2015, uma terça-feira de uma noite quente, agradável e aberta no Horto. Tropeiro no bar da Sandrinha e aquela resenha com a coelhada animada na Pitangui.
América e Vitória, que mais tarde conseguiriam o acesso, se enfrentavam em um jogo que prometia. A torcida não fez por menos e compareceu, registrando um dos maiores públicos do ano, com exatamente 17.604 pagantes (dados oficiais da partida), e talvez 18 mil presentes.
Naquela temporada, já tinha ideia de o quanto o Richarlison, com 18 anos, era um jogador diferente, daqueles que a gente prestava atenção e sabia que tinha uma pimenta a mais, e que viraria algo (só não imaginava o tamanho).
Fui ver de perto pela primeira vez. Era uma prova para entender se, de fato, era tudo aquilo que falavam. Afinal, no campo, a olho nu, é sempre diferente. Seria só uma promessa?
Primeiros toques na bola. Caramba! Um domínio fora do comum, um tranco e giro feitos com eficiência, força e direção nos dois pés, capacidade de drible e posicionamento, além de muita leitura e visão de jogo. Porte para cabecear, mas drible de futsal quando precisava.
Caçado em campo pelos adversários que não conseguiam vencê-lo na bola, o cartão de visita de Richarlison era claro: podem vir quente que eu estou fervendo. Tomava pancada, mas se levantava. Jogador raiz, sem frescura. Uma mistura monstruosa.
No começo de jogo, fiz a primeira premonição para o meu pai, que via o jogo comigo: “Esse cara parece uma espécie de novo Ronaldo Fenômeno, não me lembro de jogador desse calibre na história recente do América”. Dito e feito.
O jogo foi seguindo e ele participava de vários lances. Habilidoso, também era brigador. Rápido, era inteligente e pensava com estratégia. Puxava tanto a marcação que deixa buracos livres para os companheiros jogarem.
Mas não foi só isso. Ele também deixou o dele, em um gol de centroavante nato, o terceiro da partida. Naquela noite, Richarlison me convenceu definitivamente que era uma joia.
Seu primeiro voo, diante de excelente público no Independência, vai ficar guardado para sempre na minha memória e na do torcedor, e tenho certeza que na dele também. Atropelamos por 4 a 0.
Aquele dia, eu vi um América grande, pronto para começar a virada que deu hoje: tínhamos estádio, a torcida comparecia e os craques estavam surgindo. Bons tempos nos aguardavam.
Voltei feliz ouvindo os gritos de “Coelhooo” na Silviano Brandão, mas triste pela realidade do futebol brasileiro: seria impossível segurar um jogador desse por muito tempo. E foi assim.
Pelo menos, eu posso dizer que presenciei o primeiro de muitos voos do Pombo. O resto é história.