SANDRA KIEFER
Desses tempos de pandemia, só tenho duas certezas. A primeira é que a quarentena vai acabar um dia. Em breve, vamos sair dessa. Basta ter paciência e esperar, em casa. Enquanto isso, experimente sorrir mais, exercitar-se e elogiar o ‘próximo’, esteja ele por perto, em chats ou salas virtuais de reunião. Vem daí a segunda certeza pós-confinamento social: sobreviveremos às lives. Não importa que elas estejam de cabeça para baixo, que as crianças roubem a cena ou que o áudio seja sofrível.
Somos mais fortes do que isso. Diariamente, estamos treinando nossa capacidade de lidar com as mais diversas situações da internet. Pode acontecer, por exemplo, de você receber o convite para assistir a um show on-line. Na hora marcada, você clica no link e fica na expectativa de começar. De repente, surge a cantora, vestida com seu pijama de bolinhas, na cor púrpura. Foi pedagógico. Ela incentivou os fãs a aceitarem as regras do isolamento social e ainda fez o seu marketing pessoal.
A artista deu sorte. Permaneceu visível na tela até o encerramento da performance. Ponto para ela. Nos dias atuais, o termômetro do sucesso passou a regular com o nível de qualidade técnica das lives. Para ser bem-sucedido na web, há que se entrar no ar e, o mais importante, conseguir se manter nele, sem perder a conexão, o microfone falhar ou a intérprete da música pisar em falso, caindo dentro da piscina.
Não ficou sabendo? Virou meme. A cantora aparece dançando, toda animada. Ela realmente se esforça para levantar o astral da audiência, mas despenca do palco, improvisado na área externa da mansão onde mora. A moça demonstra profissionalismo e volta a cantar, mas o show tem de terminar. Fim do espetáculo. www.uai.com.br/app/noticia/musica/2020/04/24/noticias-musica,257845/livedalud-ludmila-cai-na-piscina-durante-live-e-vira-meme.shtml
Dia após dia, aumenta a coleção de gafes cibernéticas. São dezenas delas. Estou me lembrando agora de um caso verídico, que aconteceu durante a reunião virtual da diretoria de uma grande empresa. A teleconferência transcorria bem até ser interrompida pelo ronco de um dos colaboradores. Nada acordava o sujeito. Os colegas tentaram socorrê-lo, ligando no celular dele, mas o homem preventivamente havia colocado o aparelho no modo silencioso. Não sei que fim levou o funcionário, se continuou no emprego, mas me solidarizo com ele. Afinal de contas, tem coisa mais entediante do que reunião de firma? Tem sim. Reunião não presencial de firma.
Até o fechamento desta coluna, o caso mais engraçado foi o do padre de Itajubá, no Sul de Minas. Ele transmitia uma missa ao vivo, quando acionou acidentalmente o filtro de efeitos divertidos do celular. Na bênção final, o pároco surgiu na tela com orelhas de cachorro e bochechas rosadas, arrancando gargalhadas dos fiéis. De certa forma, cumpriu a missão de socorrer emocionalmente os paroquianos, impedidos de se locomover até as igrejas em função da pandemia. “A intenção foi mesmo de oração”, desculpou-se o religioso. “(Mas) Deus também quer um pouco de alegria”, completou ele, bem-humorado, compartilhando as cenas nas redes sociais. www.em.com.br/app/noticia/gerais/2020/03/31/interna_gerais,1134382/padre-de-itajuba-diverte-rede-social-ao-usar-efeitos-sem-querer-em-cel.shtml
Desde o home office compulsório, aliás, os jornalistas talvez tenham se tornado a categoria mais exposta a cometer falhas com transmissão instantânea. Nas últimas semanas, um momento histórico do jornalismo foi protagonizado por uma repórter norte-americana ou, melhor dizendo, pelo marido dela. O homem apareceu nu, tomando banho, nos bastidores literais da notícia. Os poucos segundos de vídeo renderam milhares de visualizações pelo mundo. www.uai.com.br/app/noticia/mexerico/2020/04/22/noticias-mexerico,257771/marido-de-reporter-aparece-nu-no-banheiro-durante-exibicao-de-live-nos.shtml.
O flagrante me fez lembrar de uma famosa entrevista da BBC, de 2017, anterior à pandemia. Durante o noticiário, o professor foi interrompido ao vivo pelos filhos, enquanto analisava friamente uma questão da política internacional. O comentário foi ‘invadido’ por um bebê no andador. O pai finge que nada está acontecendo, mas chega o outro filho, procurando o irmão. Para terminar a novela, a mulher dele entra engatinhando no canto da tela, tentando não ser vista, puxando os meninos pelo braço. Um tempo depois, o casal chegou a dar entrevista sobre o mico familiar. www.uai.com.br/app/noticia/e-mais/2017/03/10/noticia-e-mais,203171/criancas-invadem-entrevista-ao-vivo-da-bbc.shtml
Sinto-me autorizada a falar sobre erros de gravação. Sou a primeira a rir de mim mesma nos episódios do Chá Com Leveza. O último vexame ocorreu ao conduzir uma das meditações on-line do Campo de Amor. Fiz o melhor que eu pude. Com a câmera ligada, inspirei três vezes, profundamente, diante das fotos de pessoas queridas. De olhos fechados, concentrada em meditar, nem notei que a câmera estava de cabeça para baixo. Espero que minhas melhores energias, pelo menos, tenham ido na direção correta. https://youtu.be/T2n_Su38dQs
Não sou a única vítima da câmera invertida. Outro dia, assisti a uma live inteirinha do Faca Amolada, exibida de ponta-cabeça no Facebook. Isadora Rocha e o pai formavam uma espécie de totem na tela, assim meio de lado. Tentei virar o telefone, mas não teve conserto. Curti, assim mesmo, a interpretação ensolarada de Over the rainbow, como se estivesse presente ao show da dupla nas ruas e praças de Belo Horizonte. Aplaudi de pé, eu acho.
www.facebook.com/FacaAmoladaOficial /videos/529013571336529.
A perfeição é desumana, resumiu o idealizador do Faca Amolada, Chico Bread, afiado como sempre. Contraditoriamente, achei a frase perfeita.