Hoje vamos ser revolucionários. Aplicar, literalmente, os versos da música de Geraldo Vandré: caminhar e cantar. Se não podemos ir para as ruas, vem, vamos andar dentro de nossas casas, sem precisar ir embora. Quem sabe faz a hora de convocar a sua passeata interna. Manifestar sentimentos presos no peito, clandestinos na alma, sufocados na garganta. Então, cantemos!
Contra tudo e contra todos, vamos aproveitar o domingo para soltar a voz, ainda que tardia, por entre as grades das janelas. Cantar e cantar e cantar para celebrar a vida. Se estamos aqui, escrevendo ou lendo este texto, significa que estamos vivos, que vencemos a batalha. Falta pouco para ganhar a guerra contra a quarentena. Juntos, unidos no confinamento social, jamais seremos vencidos.
Alegria, alegria, cantaria Caetano diante das multidões do Festival de Música Popular Brasileira. Contra o vento, vamos caminhar dentro de casa, em disparada, agora. Dar voltas e voltas no alpendre, marcar território nas varandas, ocupar nossos terreiros. Em nosso quintal, cabe o mundo.
É proibido proibir a gente mesma de se expressar. Chega de praticar a autocensura. Fim aos próprios julgamentos e cobranças internas. Vamos colocar na cadeia os inimigos mais implacáveis: nós mesmos. Nem adianta vir chorando desculpas, querendo ganhar um bocado de mel. Apesar de nós, amanhã há de ser outro dia.
Vamos soltar a voz nas estradas, não podemos parar. Resgatar as letras que marcaram nossa linda juventude e botar a boca no trombone. Convocar velhos companheiros a se alistarem em nossa festa interior. Os meninos do Clube da Esquina. Toda a Legião Urbana. Os Heróis da Resistência, o Ira e os Titãs. “Não é o que não pode ser que não é.”
Veja bem, vamos enviar nosso grito de alerta à Maria Betânia, reivindicar de Elis um ‘alô alô, marciano’ ou fazer uma canção de amor com a Gal para gravar num disco voador. Ou, quem sabe, acordar nossa fera ferida, tigresa ou, que surpresa, apelar ao Kid Abelha, pois o mundo é muito injusto nos tempos do coronavírus: “Será que existe alguém ou algum motivo importante, que justifique a vida ou pelo menos esse instante?”.
O que será que me bole no peito? Pergunto ao Chico, que entrega a bandeira branca e convida a ver a banda passar, contando histórias de amor. Pois caía a tarde feito um viaduto, o que me lembrou Carlitos, fazendo irreverências mil. Já eu, estava à toa na vida, debruçada de pijamas na janela lateral do quarto de dormir. Então, eu vi um menino correndo, eu vi o tempo, pois o tempo não para. Não para não. Não para.
Então eu canto, porque o instante existe. Não sou alegre, nem triste. Minha vida está completa. Só me resta jogar palavras ao vento, à ventania, deixando que a vida me leve em seu destino. Deixo a vida me levar. Vida leve.
Eu, caçadora de mim, deixo a tristeza de lado e me acabo no balacobaco. Saio rodopiando pela casa, com o chocalho amarrado na canela, pro meu corpo ficar odara. Feito joia rara, vou entrando sem pedir licença a Gonzaguinha, pois eu sei que viver é não ter a vergonha de ser feliz!
É preciso cantar. Relembrar a beleza de sermos aprendizes eternamente. Ah, isso eu sei!