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Estado de Minas Coluna

Não matarás

Nunca imaginei o tamanho da dificuldade de colocar em prática o primeiro dos 10 mandamentos da tábua sagrada de Moisés


15/11/2020 04:00 - atualizado 12/11/2020 12:47


 
Em live no canal do YouTube Chá com Leveza, a jornalista Paula Takahashi foi convidada a falar sobre sua experiência no Nepal, onde viveu oito meses reclusa em um monastério budista.

Nessa viagem em busca de si mesma, ela recebeu a instrução de assumir até cinco votos, espécie de combinados a ser cumpridos no dia a dia de sua caminhada espiritual. Os desafios já começaram no número um da lista: não matar.
 
Em minha ignorância, no sentido de ignorar mesmo, calculei que esse seria o voto mais simples de ser colocado em prática. Acreditava que, minimamente, eu e minha ex-colega de redação do jornal Estado de Minas estávamos livres de cometer um assassinato, assim como a maioria das pessoas que eu conheço.

Ou seja, o não matar já estaria garantido. Os outros pareciam mais preocupantes: não roubar, não mentir, não cometer conduta sexual e rrada e não usar nenhum tipo de intoxicantes – incluindo os socialmente aceitos, como cerveja.
 
É sério. Nunca imaginei o tamanho da dificuldade de colocar em prática o primeiro dos 10 mandamentos da tábua sagrada de Moisés. O conceito de ‘não matarás’ inclui, por exemplo, poupar a vida dos animais, dos maiores aos menores.

Vale tanto para um elefante quanto para uma formiga, por exemplo. (Nem vamos entrar no mérito da impossibilidade de comer carne ou peixe, que na visão de Paula constituem animais mortos. É melhor pular essa parte.)
 
“Fulano é incapaz de matar uma formiga.” A julgar pela quantidade de comentários obtidos na live, o direito à sobrevivência das formigas é uma questão que intriga muita gente. O que fazer nesse caso?

“Não vamos ser radicais. Uma coisa é poupar a vida de uma única formiga que está passando por perto. Outra, bem diferente, é encarar uma infestação delas em sua casa”, afirmou a jovem, dando início ao julgamento.
 
Segundo Paula defende, convém você se policiar para não matar um indivíduo que, a rigor, não está incomodando. Se acontecer de você pisotear uma formiga, sem ter a intenção de matar, OK.

É diferente de sair catando formigas pelo quintal, sentindo um prazer quase sádico de eliminar as inocentes, uma a uma, mesmo sabendo que elas são organizadas, dão duro para abastecer o formigueiro e trabalham em equipe.
 
Com sua bondade infinita, Paula admitiu que se acontecer de esmagar o bichinho inadvertidamente, ela pede perdão. Não apenas em função do voto budista, mas por que sempre acreditou no valor de cada ser vivo, por menor que ele seja.

“É um ser que tem uma mente e que, como todos nós, quer comer, quer ser feliz, precisa de segurança. Então, peço para que ele tenha um renascimento auspicioso, que venha na forma humana na próxima vida”, afirma.
 
Ainda não cheguei a esse nível de serenidade budista. Enquanto redigia esse texto, fui obrigada a reagir contra um pernilongo. Além de picar a minha perna duas vezes, o mosquito estava tirando a minha concentração para escrever. Espantei-o uma, duas, três vezes. Na quarta, perdi a cabeça. Legítima defesa?
 
Sim, o zumbido dos pernilongos é extremamente irritante. Concordo. Mas também sofro com a postura de algumas pessoas que, ao avistar um par de asas na frente, acionam o lado escuro da alma. Tornam-se raivosas, perdem o controle de si mesmas e saem pela casa furiosas até conseguir exterminar o minúsculo inimigo.

Com raquetes em punho, feito armas, não descansam até ouvir o último chiado da vítima. Apanhada na rede, está condenada a morrer na cadeira elétrica. Eletrocutada.
 
Por favor, não me julguem. Sou do tipo que ignoro lagartixa no teto, durmo com ela no quarto, nem ligo. Ajudo pequenos invasores a escapar pela janela, rumo à liberdade. Valorizo a visita das borboletas, que, graças à beleza, despertam sentimentos bons nos seres humanos.

Adoro as joaninhas, embora tenha lido algo a respeito da sanha sanguinária dessas criaturas. Se não me engano, elas se fingem de inocentes embaixo de sua carapaça vermelha com pintinhas pretas.
 
Por falar em seres asquerosos, o que dizer a favor das baratas? Só pelo fato de existirem, provocam aversão e nojo. Além de reler A metamorfose, de Franz Kafka, você pode acompanhar a argumentação final de Paula Takahashi nesse link do Chá Com Leveza: https://youtu.be/9dmOByKqXK8.

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