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Manhã na pracinha

Rir por rir, essa era a brincadeira. Nada daquilo tinha tanta importância, não havia nenhum risco nem obrigatoriedade de fazer nada"


22/08/2021 04:00 - atualizado 20/08/2021 10:11



Cheguei cedo para a prática Manhã de Sol, que ofereço gratuitamente na Praça Godoi Bethônico, mais conhecida como Praça dos Porquinhos, devido às esculturas de cimento representando uma mamãe porca e seus filhotes. É uma graça o lugar, que frequento desde a infância, na época em que morava no Bairro Cidade Jardim.

Embora os brinquedos tenham sido depredados (restou um único balanço), os moradores continuam levando seus filhos para brincar ali, debaixo da sombra das árvores centenárias.
 
Com seus troncos largos e cipós entrelaçados, de raízes profundas, as árvores contam uma parte da história de Belo Horizonte. A cidade teria nascido ali, às margens do Córrego do Leitão. Sua primeira casa está onde hoje funciona a sede do museu, que está reabrindo aos poucos. Já foi palco de apresentações de música, de circo e de peças de teatro, como as do Giramundo.
 
Aos poucos, os eventos vão voltando a existir, principalmente ao ar livre, com o uso de máscaras e sem aglome- rações. Na Manhã de Sol, o público feminino ainda é restrito, pois muitas das participantes do grupo se acomodaram nas aulas on-line. No meu caso, cheguei antes para receber as possíveis alunas. A primeira a aparecer foi a Gabrielle, de 6 anos.
 
Naturalmente, a garotinha não estava inscrita nessa prática matinal voltada para mulheres adultas. Tampouco a mãe da Gabi, que preferiu ficar de longe, vigiando a filha. Na verdade, a menina viu a professora fazendo uns exercícios diferentes no gramado e resolveu se aproximar. Deve ter achado legal o tapetinho de ioga, a música relaxante ou os passarinhos, que também ciscavam ali por perto.
 
O certo é que a criança parou perto de mim. Ficou ao meu lado, imóvel, esperando que eu fizesse alguma coisa. Olhei para aquela pessoinha, que me observava fixamente com olhos arregalados, cor de jabuticaba e cabelos ca- cheados. Na falta de ideia melhor, propus destravar as articulações. Ela não disse nem sim nem não, mas passou a copiar meus movimentos.
Gabi gostou de se equilibrar num pé só e, ao mesmo tempo, rodopiar o outro no ar, sete vezes. Depois passou para o outro pé, com facilidade. Ela achou interessante dizer palavras de gratidão ao próprio pé. Obrigada, pezinho, por me ajudar a levantar da cama, a caminhar para todo lado e a correr atrás dos colegas no recreio.
 
Na atividade seguinte, convidei-a a fazer um alongamento do tipo estrela. Ela topou na hora, novamente sem saber do que se tratava. Se eu me abaixava, ela também se abaixava, só que duas vezes mais, quase encostando a cabeça nos joelhos. Trazia a flexibilidade natural das crianças, que ainda não aprenderam a endurecer com os adultos.
 
E assim foi. Gabi desenhou uma estrela com os movimentos do corpo. Virou a cabeça para o alto, orientada a enxergar todo o azul do céu. Depois, virou o braço na direção daquelas pedras grandes e torceu o corpo para trás, até visualizar o tronco da árvore. Então, esticou a coluna e abriu o braço esquerdo, procurando o muro curvo de azulejos coloridos, que talvez seja uma releitura de Gaudí. Perfeito.
 
A próxima prática da lista era a terapia do riso. Confesso ter ficado com vergonha da minha esquisitice. Quem sou eu para ensinar uma criança a sorrir? O jeito era relaxar. Simplesmente comecei a rir, do nada. Gabi continuou. Rimos juntas, sem motivo nem intenção. Sem precisar contar piadas ou marcar no relógio três minutos de risadas.
 
Rir por rir, essa era a brincadeira. Nada daquilo tinha tanta importância, não havia nenhum risco nem obrigatoriedade de fazer nada. Não havia passado nem futuro. Só interessava o agora. Havia muito tempo que não me entregava à sensação de ser criança.

*Sandra Kiefer assina esta coluna quinzenalmente

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