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Qual animal você gostaria de ser?

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A polêmica surgiu na saída do parque, após ler os avisos sobre a existência de animais silvestres no lugar. Felizmente, a placa havia passado despercebida na entrada. Deixamos para trás serpentes, cotias e lobos (guará). Já a salvo da companhia de animais silvestres, acomodados dentro do carro, a preocupação deu lugar à curiosidade. Se você tivesse nascido animal, qual deles gostaria de ser?

A discussão rendeu do Rola Moça até em casa. O primeiro a se pronunciar foi o caçula. Sem pensar duas vezes, deu o seu palpite. Queria ser uma água-viva. Ele não chegou a explicar o motivo, mas certamente encantou-se pela transparência da criatura, que se move leve e fluida ao sabor das ondas do mar. E ainda tem nome de poesia.




 
Já eu tinha uma opinião diferente. Primeiro, levei alguns segundos para me lembrar de qual era a forma desse ser aquático. Troquei água-viva por coral, alga, ou algo parecido. Quase deixei escapar o caso da água-viva que queimou a minha perna em alto-mar. Era coisa antiga, da época em que ainda tirávamos férias na praia, antes da pandemia.

Nem tive chance de expor o meu ponto de vista. Antes que eu pudesse abrir a boca, o adolescente colocou uma pedra no assunto, com um argumento incontestável. Segundo ele, seria uma verdadeira perda de tempo reencarnar como água-viva. “A água-viva não tem cérebro. Qual o sentido de você querer morrer e voltar como água-viva, sabendo que você simplesmente não teria consciência da sua existência? Basicamente, seria uma vida inútil.”

Dito isso, Eduardo manifestou a vontade de se transformar no peixe que mora dentro do pepino-do-mar (?). Tive medo de perguntar o motivo. Na verdade, fiquei sem saber o que dizer, nessa hipótese e na outra. Cacoete de mãe, aproveitei a oportunidade para revisar o dado da relação de parasitismo existente entre as duas criaturas marinhas.





O tema evoluiu para a diferença entre comensalismo e mutualismo, levantando a bola para o filho mais novo, que estudava sobre isso na escola. Ele deu uma verdadeira aula sobre os tais processos biológicos. Comprovou ser falsa a insinuação de que teria QI de ameba. O caso já estava pacificado quando o pequeno anunciou a nova preferência: queria ser um baiacu.

Assim fica difícil de defendê-lo, pensei eu. Por que as crianças da atualidade têm de ser tão complicadas? Na minha época, escolheríamos opções mais óbvias. Ficaria feliz em ser uma pantera, uma borboleta ou no máximo um cisne negro ou pavão. O que levaria alguém a sonhar em ser um baiacu? “Mas eles são tão fofinhos e inflam quando estão com medo...”, explicou o menino.

Enfim, que seja feita a vossa vontade. Se o caçula renasceria um baiacu, o irmão se sentiu no direito de se tornar um porco-espinho. Como assim?, suspirei. Por que motivo alguém iria querer se transformar em um ouriço? Minha vivência com os ouriços limitava-se a socorrer meu marido, que pisou em um deles enquanto andava nos arrecifes de Fortaleza.





Foi uma verdadeira aventura em alto-mar. Seguimos de barco até os corais onde se formam piscinas naturais. Na maré baixa, é possível mergulhar com snorkel, óculos de mergulhador e pés de pato. É maravilhoso ver cardumes inteiros de peixes, de diferentes tipos e tamanhos, incluindo as réplicas do personagem Nemo.

De todas as pessoas da excursão, fui a única a visualizar uma tartaruga marinha, que passou raspando por mim embaixo d’água. Ao ouvir o emocionante relato, o mais novo mudou de ideia. Largou de lado o baiacu, que foi substituído pela tartaruga gigante do Projeto Tamar. Tem certeza disso? “Sim. A tartaruga é tranquila, mas também tem autodefesa e personalidade”, alegou.

Então tá. Para evitar tomar partido, voltei ao caso anterior. Relembrei do “Dilema do ouriço”, livro do pensador brasileiro Leandro Karnal, perfeito para mostrar a necessidade de adaptação das pessoas ao confinamento social. Conta-se que, no inverno, os porcos-espinhos precisam estar perto uns dos outros para não morrerem congelados. Podem soltar farpas entre si, mas devem permanecer juntos para sobreviver ao frio, mantendo uma distância de segurança.





Quando já estava orgulhosa da minha história edificante, levei uma alfinetada do jovem. “Você está completamente errada”, criticou. E passou a dar as suas justificativas. Em primeiro lugar, a parábola era do porco-espinho, e não do ouriço. Em segundo lugar, desde o início ele havia dito porco-espinho, e não ouriço. Em terceiro lugar, ele jamais seria um ouriço, que também não tem consciência.

Em minha defesa, poderia ter dito que confundi “O dilema do porco-espinho” com “A elegância do ouriço”, também um ótimo livro. Mas quer saber? Desisto. Naquele momento, minha vontade era virar um grão de areia e sumir na imensidão do litoral brasileiro.

Respirei fundo e sorri. Notei que, apesar dos pequenos desentendimentos e espetadas, adorávamos bater um papo. Nossa conversa levou 17 quilômetros. E, na maior parte dela, tínhamos um objetivo comum: ser uma criatura qualquer, desde que fosse perto do oceano. Ai, que saudades do mar.

Saiba mais sobre xamanismo no canal Chá Com Leveza
*Sandra Kiefer assina esta coluna quinzenalmente

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