Meu primo saltou do mais alto bungee jump do mundo, na África do Sul, há alguns anos. Postou um vídeo nas redes sociais como prova de sua coragem. As cenas mostram o momento em que ele toma a decisão de pular no vácuo, amarrado a uma corda, a 216 metros de altura. É bem alto – corresponde a um prédio de 60 andares.
Dá pavor só de assistir ao filme, mas acho válido esse tipo de atitude. Bato palmas para essas pessoas que escalam montanhas, saltam de paraquedas, mergulham no fundo dos oceanos. Já fiz rapel em cachoeira, andei de tirolesa, caí em queda livre nas atrações dos parques de diversão. Ultimamente, minhas maiores loucuras têm sido me submeter a desafios mais íntimos e sofisticados, a buscar outro tipo de adrenalina. As aventuras internas podem ser até mais ousadas.
Nesta pandemia, que finalmente está passando (tudo passa!), muita gente se arriscou a fazer coisas que nunca se imaginou fazendo antes. Um dos casos mais delicados foi o da minha amiga, secretária executiva de uma grande empresa. Workaholic, vivia confinada no escritório. Traba- lhava 10 horas, 12 horas por dia. Eram dezenas de ligações, pedidos urgen- tes, pessoas entrando e saindo da sala o tempo inteiro.
Veio o home-office. Obrigada a ter ambiente em casa, ela se sentiu sem chão. Pela primeira vez, em 20 anos, ficou sozinha com ela mesma. Quase enlouqueceu com o silêncio. Nos primeiros meses da quarentena, telefonei para ela diversas vezes. Conversamos horas sobre o nada. Até que um dia ela me ligou, entusiasmada, em êxtase. “Você não vai acreditar! Fiz uma coisa completamente absurda, tenho até vergonha de admitir.”
Minha mente literária viajou longe, alcançou picos nevados, pisou em terrenos desconhecidos, desceu mil léguas submarinas. Nem te conto sobre o que pensei. Tive medo de me tornar cúmplice ou conivente, mas ela foi logo confessando o crime. “Acredita que coloquei um disco para tocar, bem no meio do expediente? Depois pus outro, e mais outro. Passei a madrugada inteira ouvindo meus cedês. Tinha me esquecido do quanto adoro ouvir música. Foi incrível!”
Na hora, evitei comentar, lamentar pelo tempo perdido, sem bossa nem samba. Apenas a cumprimentei pela ousadia. Quem sou eu para julgar? Já contei aqui ter custado a resgatar uma das paixões da minha infância: dançar. Nesta pandemia, na falta de festas de casamento e bailes de formatura, passei a dançar dentro de casa. Seja com meus meninos, com o marido ou so- zinha, comigo mesma.
Sigo bailando no meu esconderijo. Dei adeus às aulas de dança de salão ou aeróbicas de academia, orientadas a queimar calorias ou a exercitar os músculos. Não preciso mais ter desculpas para soltar o corpo, mexer os quadris e me perder no ritmo das notas musicais. Não mais.
Só quero me divertir. Deixar fluir, sem ter ninguém me olhando, criticando ou me aplaudindo em apresentações de festivais e postagens nas redes sociais. Dispenso ensaios e julgamentos.
Só quero girar e girar mais uma vez, ou quantas vezes eu quiser, até ficar tonta de felicidade. Sou eu quem define a coreografia. O baile está dentro de mim.
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Chá Com Leveza (https://youtu.be/-Rr0i8i8_KM)
*Sandra Kiefer assina esta coluna quinzenalmente