O que você faria se o mundo fosse acabar amanhã? A professora fez essa pergunta minutos antes do término da ioga, como uma provocação para que a turma refletisse sobre o sentido da vida.
Diante de uma suposta morte anunciada, cada aluno deveria definir sua lista de prioridades e apresentar na aula seguinte. “Isso não se faz”, indignou-se a novata, custando a se equilibrar na posição da árvore.
Diante de uma suposta morte anunciada, cada aluno deveria definir sua lista de prioridades e apresentar na aula seguinte. “Isso não se faz”, indignou-se a novata, custando a se equilibrar na posição da árvore.
A pergunta da mestra quase a derrubou pela raiz. Já não estava fácil se sustentar sobre um pé só. Respirar era um desafio. Suando frio, ela tentava se concentrar no ponto fixo à sua frente. Seu pinheiro teimava em balançar de um lado para o outro, perigosamente.
O tombo era quase certo. A natureza estava ameaçada de extinção. Com o perdão dos pecados, ela chegou a desejar a antecipação do Armagedon. O mundo podia cair, mas ela ficaria de pé até o fim. Com isso não se brinca, recriminou-se a aluna, já arrependida.
Ufa, acabou a aula. Queria ir embora correndo. Sentiu que perdia tempo, enrolando o interminável tapetinho de ioga. Deveria ir logo, pois precisava se despedir dos seus filhos. Será que eles já estavam em casa? E o marido?
O trânsito estava intenso. Era só o que faltava morrer no meio do engarrafamento, sozinha. Ela precisava dar um telefonema para seus pais. Dar um jeito de falar com a irmã que mora em São Paulo. Enviar mensagem para a outra, que é professora e mantém o celular desligado em sala de aula.
Deu vontade de abrir a janela do Kwid e gritar: “Olha o Armagedon aí, gente!” Meu Deus, ela continuava fazendo piada de coisa séria. Que se dane. Começou a rir sozinha, alto, às gargalhadas. Se era para morrer, morreria feliz.
Precisava de mais elementos para refletir sobre o tema. O intervalo de tempo, por exemplo, era um fator de peso na decisão. Se o mundo fosse acabar nos próximos cinco minutos, era uma coisa. Se ainda faltasse um mês, seria outra. Dependendo, dava um jeito de partir para Paris. Morreria no alto da Torre Eiffel, bebendo champanhe.
E se fosse acontecer agora, exatamente nesse segundo, o que ela faria? Sei lá. O mais provável seria cair de joelhos, rezando. Talvez chutasse o balde. Comeria todo o resto dos ovos de Páscoa. Sairia berrando pela rua afora. Começaria a dançar feito louca, cantando a música da Pequena Eva. “Meu amor, olha só hoje o Sol não apareceu. É o fim da aventura humana na Terra.”
A verdade é que é impossível prever qual seria a nossa reação nessa situação limite. A catarse é algo individual. Meu pai, neto de alemães, sentaria na varanda e tomaria uma última cerveja gelada. Sem colarinho, por favor. Já meu filho mudaria para Marte. Ou iria para um bunker superseguro camuflado no quintal.
“Seria uma ótima ideia, mas acontece que nós não temos um bunker superseguro em casa”, alertei a ele. “Quer saber? Prefiro não pensar nisso”, disse ele. “Nem eu”, concordei com o caçula, colocando um ponto final na crônica. É o fim.