Um dia ainda consigo meditar de verdade. Não desisto. Já tentei de diversos jeitos e técnicas, na esperança de chegar ao tal estado de silêncio, que nos tornaria capazes de olhar as coisas como elas realmente são, objetivamente. Você está preparado? Quantos segundos consegue ficar sem pensar em nada?
Vamos fazer um experimento. Pegue um relógio com o ponteiro mostrando os segundos. Tente se concentrar apenas no movimento dessa seta. Por quantos segundos você consegue manter a si mesmo em silêncio? Já vou adiantando que é bem difícil interromper o infinito diálogo interno.
Meu recorde foi apenas de três segundos. Só. Se você treinar, poderá conseguir uns 15 segundos, 30 segundos e até um minuto. Praticando assim, você vai aprender a ver tudo de verdade, em essência, como um simples observador. Será?
Gostei da dica. Segundo o autor, essa é a maneira mais rápida de desenvolver a concentração e represar pensamentos. Antes de testar, porém, preciso resolver alguns pontos, ou melhor, ponteiros. Para começar, vou ter de arranjar um relógio antigo, com setas e mostrador.
Nem me lembro da última vez em que usei relógio de pulso. Tinha dois ou três deles guardados, estragados ou sem bateria, esperando conserto. Foram descartados. Com uma certa vergonha, confesso que tentei cumprir o desafio acima usando o cronômetro do telefone celular.
O efeito não foi o mesmo, é claro. Gerou ansiedade saber que, para marcar o tempo a ser gasto, eu teria de apertar o botão de parar do dispositivo. Pronto, fiquei pensando nisso o tempo todo da prática. Não consegui me desligar.
Diante do fracasso, decidi voltar ao início dos tempos. Tentaria a meditação da vela, a mais simples de todas, indicada para iniciantes. Essa não teria erro. Acendi a vela e posicionei a chama na altura dos olhos. Sentei na cadeira, posicionada a dois metros de distância do castiçal.
De acordo com as instruções, eu deveria ficar olhando fixamente para a vela, de preferência sem piscar, pelo intervalo de um minuto, no mínimo. Os pensamentos intrusos iam e vinham ao sabor da chama, que tremulava suavemente. Era só eu não me deter neles.
Eu estava indo bem, até me lembrar de uma frase fofa do professor de ioga. Segundo ele, se a chama virasse na sua direção, você deveria retribuir a reverência do fogo. Expressar a sua gratidão ao elemento da natureza.
Foi aí que eu me perdi. Comecei a refletir sobre a chance de a chama pender para o meu lado. Com a janela fechada, a probabilidade era perto de zero. Será que eu deveria ter deixado uma fresta no vidro? Mas isso não seria manipular o fogo? Adeus, concentração.
Vamos para a última tentativa de meditar. Agora vai dar. Vou usar um truque clássico para facilitar. Acendo a vela e vou contando de um até dez, mentalmente. Depois, faço a contagem regressiva: 10, 9, 8 etc. Posso repetir isso quantas vezes foram necessárias.
Outro macete é coordenar os números com a respiração. Você deve inspirar contando até 10. Quando terminar de encher os pulmões, faça o movimento oposto. Vá expirando no 10, nove, oito, e assim por diante. Se estiver perdendo o fôlego, tente ir apenas até o cinco ou sete. Aos poucos, vá aumentando o seu limite.
Vamos lá. Ligo uma musiquinha suave e fecho a janela, por precaução. Acendo a vela, posicionando-a no local correto. Relaxo o corpo e me entrego ao momento presente. Pronto. Agora é comigo.
Sou a dona do meu tempo. Tenho direito a cinco minutos de paz. Será que vou conseguir? Na próxima crônica eu conto o resultado para vocês.
Obs.: Um casal de pardais fez um ninho bem em cima do telhado do meu escritório. Vira e mexe um deles erra o endereço e bate a cabeça no vidro da janela. Entendi finalmente o motivo da insistência dos passarinhos, que relatei em crônicas passadas. Querem me passar um recado: a importância da liberdade.