SANDRA KIEFER
Fiquei sabendo, por fonte confiável, que uma mestra estaria realizando, agora, uma prática chamada ascetismo. Ela fez a promessa de passar 33 dias sem comer e sem dormir para impedir a explosão da Terceira Guerra Mundial. Quando soube do caso, ela já estava há 11 dias realizando o seu sacrifício em prol da humanidade.
Já contei que a mulher está sem comer e sem dormir durante todo esse tempo? Talvez ainda não sejamos capazes de entender a grandeza da missão. É coisa para anjos e santos. Da minha parte, me senti bastante impactada por essa notícia. Já ouvi falar de pessoas que fazem greve de fome, mas me pareceu impossível ficar mais de um mês sem dormir. Como segurar o sono?
Do alto da minha ingenuidade, me propus o desafio de passar o dia em jejum. Tenho vergonha de admitir que não pude ir até o fim. Confesso a minha culpa. Não resistir ao apelo do almoço do domingo em família, que, na verdade, iria além da refeição em si. Deixar de comer traria implicações sociais, cobranças e perguntas difíceis de responder.
Dar a desculpa de que eu estava de dieta não bastava. Para piorar, enfrentei a maior das minhas tentações gastronômicas: o sorvete de menta com chocolate. Sei que não se deve brincar com algo tão sério, mas eu sabia que a promessa ainda não estava valendo. Era apenas um pré-teste do nível da minha força de vontade.
Tirei nota zero em determinação. Perdi ponto, com o agravante de não ter aprendido a lição. No momento seguinte, tornei a me impor um desafio. Prometi internamente passar 33 dias sem ter pensamentos negativos. Caso tivesse algum, faria de tudo para virar a chave da alegria.
Santa inocência. Devia ter me lembrado da dificuldade absurda que é tentar levar a vida com leveza. Os obstáculos são muitos. A cada dia que passa, somos obrigados a nos desviar de problemas, próprios e terceirizados, maiores e menores. O trânsito é o mais evidente deles.
Entre buzinas e fechadas desnecessárias, eu e meu Kwid vamos seguindo incólumes pelas ruas, neutros. Quando aperta o nervosismo do colega motorista, reduzo a velocidade e paro o carro no acostamento. Dou passagem à raiva enlatada. Espero até que o veículo esteja longe, fora do meu caminho de paz.
Se você ficou preso no engarrafamento, não há como fugir. A solução é outra. Para alguns, funciona respirar fundo sete vezes, inspirando e expirando, em sete tempos. Para outros, a dica é aumentar o volume da música e cantar bem alto. No meu caso, prefiro fazer a terapia do riso. Quando a gente ri, cai a ficha do ridículo daquela situação. Por que os motoristas apostam corrida dentro da cidade? Qual é o sentido de chegar primeiro no próximo sinal vermelho?
É melhor mudar de assunto, desde que não seja para cair em outro, de alto potencial tóxico: política. Para manter a sanidade mental, decidi ignorar os debates eleitorais. Não os jornalísticos, mas sim com familiares e amigos dos grupos de Whats.
Quase cancelei o grupo dos meus amigos de infância. Faltou pouco. Consegui, a tempo, elevar os meus pensamentos. Valia uma reflexão. Sair do grupo seria a prova da minha irritação, de que eu havia perdido a razão e o estado de leveza.
Optei por não ler as mensagens. Os aniversariantes de outubro é que levaram prejuízo. Aliás, estou tomando o cuidado de evitar as festas, ou pelo menos, de sair mais cedo delas. Tento também parar de filosofar sobre as vidas alheias e também sobre a minha própria vida.
Quando bate uma ponta de melancolia, dou logo um jeito de espantar a tristeza. Uso todas as técnicas conhecidas para mudar o mood (humor). Haja meditação, exercícios de yoga, caminhadas e corridas. Dou voltas e voltas no bairro de bicicleta. Procuro cantar no chuveiro, passear na natureza, rezar. Faço trabalhos voluntários e ações de caridade.
Dançar é também um ótimo remédio contra a tristeza. Ando dando trabalho para as playlists de ''músicas animadas'' do YouTube. Ivete Sangalo nunca teve tantas visualizações de Minas. Ela trouxe de volta para a minha casa “Tempo de alegria”, “Sorte grande”, “Me abraça e me beija”. Vieram junto “Pequena Eva”, “Balancê” e “Festa do interior”.
Tudo vai melhorar, diz o título do clipe delicioso que a Marisa Monte lançou, com Seu Jorge e Maria Flor. O vídeo começa sombrio e depois explode em cores: “Quando você pensa que está tudo errado e negativo e que ainda vai piorar/Para todo mundo a vida é difícil, mas todos fazem o seu sacrifício para melhorar/ Para melhorar!”.
E, assim, vamos sobrevivendo... Buscando fazer a nossa parte para ajudar a melhorar o astral do planeta, com as armas da alegria e da leveza.