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Meditação de protesto

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Em meio à artilharia verbal de bolsonaristas e lulistas, de argumentações de parte a parte, de opiniões de analistas, fake news e memes, tomei uma decisão ultrarradical: não vou mais pensar. Em nada. Nada MESMO. Instituí para mim mesma uma meditação de protesto, uma revolução silenciosa e pessoal. 




 
Por 10 minutos ao dia, vou me dar o direito de ter uma trégua dos pensamentos intrusos, hastear a bandeira branca do sossego, pedir paz e amor dentro de mim. 
 
Não está sendo fácil, eu admito. Seria mais favorável vestir a bandeira brasileira e partir para a Avenida Raja Gabaglia. Ou, do lado oposto, enfrentar o congestionamento, esperando pacientemente a minha vez de passar pelo corredor polonês dos manifestantes. Depois, faria um L pelo retrovisor, provocando os adversários políticos.
 
Não quero nem uma coisa nem outra. Prefiro ficar em cima do muro, ou, melhor dizendo, sobre o tapetinho de ioga. Para ser mais exata, apoiada em uma segunda camada: a almofada azul, estrategicamente posicionada debaixo do cóccix, que ajuda a manter a coluna ereta. 
Faço então três respirações profundas, inspirando e expirando suavemente pelo nariz. E coloco uma música leve no fone de ouvido, isolando os ruídos urbanos. Agora, vem a parte mais complicada do meu motim mental: desligar o cérebro. 




 
Adotei um método chamado de Trataka. Consiste em focar o pensamento em um único ponto preto, que você mesmo irá desenhar no centro de uma folha branca. Você deve se afastar  a um ou dois metros do alvo, posicionando o pontinho na altura da testa (ou do terceiro olho). It’s done (está feito). Agora, falta apenas conseguir parar de pensar. 
 
Ainda estou na batalha. Dez minutos por dia, religiosamente. Sinto que estou quase lá. O esforço vai valer a pena. Segundo explicou a professora, se uma pessoa conseguir ‘parar’ o cérebro por 5 a 15 segundos irá liberar uma quantidade imensa de energia. O fluxo pode ser direcionado para ela ser mais ativa, alegre e produtiva, aumentando as chances de conquistar sorte, sucesso e prosperidade.
Nessa campanha pró-meditação, venho conhecendo uma turminha boa. Tem muita gente empenhada em arranjar o melhor jeito de se desligar do mundo, nem que seja por alguns minutos. Esse exército do bem já descobriu o caminho para a sua ilha particular de tranquilidade, o mapa do tesouro interno, o enorme poder de dominar o próprio tempo. 




 
Tenho diversos relatos. Uma amiga, por exemplo, desenvolveu o próprio ritual meditativo. Na hora de dormir, deitada na cama, ela começa a respirar fundo, enquanto vai contando mentalmente até 10, intercalando a letra P entre os números. Ou seja, ela vai mentalizando 1 P, 2 P, 3 P, enquanto inspira. Depois, expira fazendo a contagem regressiva, até cair no sono. 
 
Resolvi aceitar o desafio. O fôlego acabou no 8 P. Ufa! Houve quem indicasse um aplicativo de celular para induzir o relaxamento, que cobra uma mensalidade baratinha. Outra me recomendou uma tal de ioga cósmica, que4, segundo ela, exige posturas bastante desafiadoras, ligadas a cada um dos planetas. Se o praticante se distrair durante o exercício, poderá sair de órbita e ir parar metaforicamente em Júpiter, por exemplo. Achei graça.
 
No meu caso, fui estacionar no mundo da lua cheia. Aconteceu durante um encontro de família, ao comentar sobre o impasse da meditação com uma tia querida. Ela foi logo afirmando que jamais conseguiria meditar, pois é muito agitada e não consegue parar quieta hora nenhuma. Dito isso, saiu apressada rumo à cozinha para buscar uns biscoitinhos e um chá. “Você escolhe o sabor. Tem de morango, de erva-doce. Se preferir faço um cappuccino”, explicou ela, gentil como sempre, sumindo pelo cômodo afora. 
 
Meu tio permaneceu calado toda a conversa. Decidi pedir a opinião dele sobre o tema. Ele não disse nada. Saiu andando e me levou para perto da janela da sala, de onde dava para ver a lua cheia. A esfera brilhante já ia alta no céu. Sua luz prata refletia na piscina. O vento criava ondas pequeninas na superfície da água, que faziam tremular a imagem espelhada. “Não entendo muito desses ‘papos de mulher’, mas isso aqui me acalma”, ensinou ele, falando baixinho, em tom de confidência.