Aconteceu outro dia mesmo. Ela estava no seu escritório, tentando arranjar uma ideia para redigir a crônica, aflita para conseguir cumprir o prazo. A ansiedade batia na porta, pedindo passagem. De ombros curvados, focada na tela do laptop, não percebeu o sopro de inspiração entrando pela janela. Tinha a forma de uma pluma branca, de aparência frágil, minúscula.
A peninha veio flutuando no ar, bem na sua frente. Foi descendo, descendo, até aterrissar na imensidão negra do teclado, povoado de letras e números, árido. Pousou sobre a superfície de plástico duro, exatamente em cima da tecla ‘pause’. Ela jura que é verdade.
Por uns instantes, fica paralisada. Recebe o recado óbvio do universo, um aviso sutil, um delicado convite para que desse uma pausa no que estava fazendo. Inspira fundo, relaxa o corpo, sorri. Retorna ao estado de leveza.
Toma a penugem na mão, com muito cuidado. Já ouviu dizer que, quando você vê uma pena de pássaro caída, significa que o seu anjo da guarda está perto de você. Não é o caso desta vez. Observando melhor, verifica que não pode ser de pássaro. É pequena demais para isso.
Parece ser o fragmento de um dente-de-leão. Você conhece? É uma das espécies mais encantadoras da natureza. Nasce como mato, no meio de canteiros e lotes vagos. Ganha altura e se sobressai, exibindo sua cúpula branca, translúcida, um pompom natural.
O dente-de-leão tem uma existência efêmera, assim como a inspiração. Ao menor sopro, vai embora para longe, levado pelo vento, sem paradeiro. Quando menos se espera, sobe até uma altura de dois andares, invade a casa e passa ao largo da escrivaninha. Então, perde a força e cai, finalmente, bem na frente do seu nariz.
É algo improvável, mas acontece. Basta deixar as janelas abertas. E o coração. Alguma hora uma criança há de encontrar um dente-de-leão pelo caminho. Encantada, obriga a mãe a interromper a caminhada e a soltar as mãos dela. Corre para arrancar a plantinha, puxando-a pelo caule, sem pensar duas vezes.
Com o novo brinquedo, a criança enche bem as suas bochechas e sopra com força. Uma, duas, três vezes. Não descansa até todas as pluminhas voarem, tomando rumo desconhecido. Então, a mãe explica a ela que aquela flor é muito interessante e que tem o próprio mecanismo de espalhar suas sementes pelo mundo.
Um dia essa criança vai crescer e escrever uma crônica sobre o assunto. Em vez de apenas cultivar as memórias de infância, mantendo o encantamento, ela vai acionar sua mente adulta. Fará várias buscas no Go- ogle, determinada a investigar a origem da planta.
Primeiro de tudo, descobre que a esfera branca não é uma flor, mas sim um fruto. Ou melhor, vários frutos. São bem leves e têm uma pluma chamada de papilho, uma modificação do cálice que os faz flutuar no ar, levados pelo vento. Suas plumas, portanto, não têm a função de levar as sementes para longe.
Não importa. A poesia do dente-de-leão permanece, mesmo após descobrir o seu nome científico – Taraxacum officinale. O termo officinale indica que a planta tem aplicação medicinal. A flor amarela, que antecede ao fruto, é usada no preparo de um chá amargo com propriedades diuréticas e laxativas.
No Nordeste brasileiro, é conhecida por "esperança”. Simboliza desprendimento, desapego. Diz a cultura popular que, ao colher o dente-de-leão, a pessoa pode fazer um pedido e depois soprar. Se as pluminhas se desprenderem todas de uma só vez, seu desejo será atendido. Será?
Segundo uma lenda irlandesa, o dente-de-leão é a morada das fadas. Quando a Terra era habitada por gnomos, elfos e fadas, essas criaturas viviam livremente na natureza. A chegada do homem as forçou a se refugiarem na floresta. Já as fadas, que usavam roupas muito chamativas, foram obrigadas a se tornar dentes-de-leão para conseguir se camuflar sem perder a liberdade.
Verdade ou não, fica a lição de que as crianças são muito inspiradas e sábias. Colhem esperança, semeiam desejos, amam a natureza e acreditam em fadas.