Diversidade é uma palavra que ressoa cada vez mais ativamente nos nossos espaços cotidianos. Das grandes marcas aos clubes de futebol; dos espaços escolares à programação das tevês. Mas será que sabemos de fato do que se trata o termo? E as palavras inclusão e representatividade, o que será que significam?
Inauguro esse espaço com a tarefa de falar sobre diversidade, em toda sua amplitude. Tarefa prazerosa, sim, mas também difícil, pois esse é um termo que guarda em si todos os caminhos. E pensando por onde iniciar esse trajeto, recorro ao meu lugar mais confortável - o de professora - para buscar algumas definições e levantar algumas reflexões que nos ajudarão a entender um pouquinho mais do que estamos falando.
Vivemos um tempo em que a diversidade é uma moeda forte no mercado. Marcas, empresas, pessoas públicas buscam alinhar seus discursos a uma ideia de representatividade, de acolhimento às diversas vozes e grupos. Construir uma imagem positiva na comunicação com seus públicos tem sido o objetivo perseguido com afinco por um conjunto cada vez maior de marcas e organizações.
E podemos constatar isso pelo número crescente de campanhas que celebram datas como o dia da visibilidade trans, o dia da consciência negra, as hashtags #somostodos, os apoios às paradas LGBTQIA%2b locais, o uso das cores do arco-íris nas logomarcas. O que é um pouco mais difícil de observar, é se tais ações veem acompanhadas de transformações efetivas nos ambientes de trabalho, de escuta real das demandas dos grupos supostamente abraçados, de abertura de espaços para construção de outras falas a partir de outros olhares.
É preciso que nos perguntemos se esse alinhamento entre discurso e prática acontece, de fato. Ou se estamos usando a diversidade de maneira esvaziada, como forma de inserção de mercado e aumento de público e lucro. O capitalismo abocanha tudo o que vê pela frente, aqui não seria diferente. A diversidade é uma tendência de mercado e, como todo tendência, ela pode passar. É preciso cuidado para analisar as estratégias de comunicação que vemos, hoje, na veiculação de mensagens ligadas ao tema. E é preciso ser vigilante, não como forma de diminuir tais ações – que têm importância na circulação e visibilização de pautas fundamentais – mas como forma de cobrar posturas legítimas, que provoquem mudanças reais.
Discurso é a linguagem em movimento. Por isso mesmo, ele é percurso, trajeto, estrada que leva ao outro. Discurso é ação sobre a própria vida e ação sobre o mundo em que vivemos. Muito se diz, mas pouco ainda efetivamente se transforma.
Os espaços de construção de sentido pressupõem a presença do outro, a escuta efetiva e afetiva, a dissolução das hierarquias que estruturam a nossa noção primeira de comunicação. Tem sempre alguém que fala e sempre alguém que escuta, mas esses alguéns pouco trocaram de lugar ao longo dos tempos.
Recorrendo novamente a uma estratégia professoral, por força do hábito, parto do conceito de diversidade e de outros dois caríssimos termos que a acompanham – inclusão e representatividade - para tentarmos entender onde estamos errando e acertando também.
Diversidade pode ser definida como a pluralidade de pessoas, com suas diferenças e semelhanças de identidades, de culturas, de experiências de vida. Conceito fundamental e fundante das nossas relações, a diversidade é o elemento que nos estrutura e orienta enquanto sociedade, enquanto corpo coletivo.
Mas uma sociedade diversa não é necessariamente uma sociedade inclusiva. Uma empresa diversa não é necessariamente uma empresa inclusiva. Uma escola diversa não é necessariamente uma escola inclusiva. A inclusão representa um passo além; ela acontece quando se instaura um sentimento real e seguro de pertencimento. Quando há uma mudança cultural e comportamental significativa, que se reflete na maneira como as pessoas são tratadas nos ambientes nos quais circulam e dos quais fazem parte.
A diversidade, por si, não garante melhores condições de trabalho, tratamento respeitoso e equânime, circulação segura e afetiva. É preciso criar os meios que possibilitarão a construção dessas novas realidades, mais afáveis e mais justas. Tem uma frase da Verna Myers (vice-presidente de estratégia de inclusão da Netflix) que traduz de um jeito bonito isso tudo que acabei de dizer: “diversidade é convidar para a festa, inclusão é chamar para dançar”.
Não menos importante, temos a representatividade, os espelhamentos tão necessários de reconhecimento de si e dos seus. Quando tenho professoras negras nos espaços de sala de aula do ensino superior; quando leio mulheres nas bibliografias referenciais dos cursos; quando vejo pessoas trans ocuparem cargos em empresas; quando vejo pessoas gordas livres com seus corpos nos editoriais de revistas; quando vejo pessoas com deficiência ocuparem espaços de atuação pública; quando vejo uma mãe amamentar seu bebê em cima de um púlpito parlamentar; tudo isso nos aponta existências diversas, possíveis, completas.
E por que é importante trazer tais conceitos aqui? Porque eles nos ajudam a entender do que estamos falando quando pronunciamos tais palavras. Eles dão corpo e forma às pautas com as quais nos identificamos. E, principalmente, eles nos apontam o caminho que ainda temos pela frente: não existe diversidade sem inclusão; não existe mudança que não passe pela ocupação de espaços histórica e socialmente negados, pela representatividade publicitária, cultural, acadêmica, política e tantas outras que nos constituem.
*Silvia Michelle A. Bastos Barbosa (professora universitária nos cursos de Comunicação, Artes e Educação)