Falei a respeito de como estamos ficando traumatizados. Quero então trazer algo especial de como podemos e devemos trabalhar nossos medos diante da vida. Você conhece o mito da Medusa?
Joseph Campbell disse em “O mito e o corpo”: “A mitologia é uma função da biologia”.
Talvez você possa entender melhor o que ele quis dizer agora ao te contar que a mitologia nos ensina a enfrentar desafios com coragem. Nos fala, em historinhas, nossos desafios do cotidiano. O que todos passamos em um momento ou outro.
Conta-nos nossos mais profundos anseios, nos revela a força e os recursos ocultos em nós mesmos, mostrando saídas incríveis naquilo que faz parte da jornada da vida. E os mitos também se tornam mapas de nossa essência natural, caminhos que percorremos diante dos problemas sofridos e que, muitas das vezes, não sabemos como sair de lá ou aceitar o que temos que enfrentar para mudar.
Quero falar mais do mito da Medusa. Nesse mito grego, podemos captar a essência do medo e o que nos traumatiza e mostrar o caminho da transformação.
Medusa, coitada, fora transformada naquele horrendo ser, uma mulher com uma cabeça cheia de serpentes vivas, por Atenas, deusa da sabedoria, que não queria que ela se enamorasse do deus Poseidon. Portanto, tornou-a um ser tão medonho que quem a olhasse teria pavor. Quem a olhava ficava petrificado.
Assim conta a história... Quem fitasse diretamente nos olhos da Medusa era imediatamente transformado em pedra. Congelado no tempo. Antes de partir para derrotar esse demônio de cabelos de serpentes, Perseu foi se aconselhar com Atenas, a deusa da sabedoria e da estratégia.
Seu conselho foi simples: em nenhuma hipótese ele deveria olhar diretamente para a Górgone. Levando muito a sério o conselho de Atenas, Perseu empunhou seu escudo protetor para que refletisse a imagem da Medusa. Dessa forma, conseguiu cortar sua cabeça sem olhar diretamente para ela e, dessa maneira, evitou se tornar uma estátua petrificada.
Se queremos enfrentar um grande medo, olhar diretamente para ele, só pensar nele, não será uma boa estratégia. A mitologia nos mostra que ficaremos congelados, petrificados e imobilizados diante do mesmo. O que chamamos de pavor.
Assim, as pessoas que sofrem de algum trauma, um medo enorme, não devem confrontá-lo diretamente. Se cometermos o erro de confrontar nosso medo olhando de frente, a Medusa da vida, fiel à sua natureza, nos transformará em pedra. Um ser que não se move diante de um medo, obstáculo ou dificuldade maior.
Precisamos nos lembrar da estratégia da vida que a natureza traz neste conto da mitologia grega: não ir direto ao medo, mas sim olhar à sua volta, ter um escudo refletor como Perseu e buscar lidar por caminhos diferentes...
Traduzindo, não devemos só ficar olhando nossos medos. De nada adianta. Só vai nos fazer imobilizar e perder as forças. Mas, no entanto, se olharmos de forma diferente, por outros caminhos, descobriremos alguma saída, algum modo de enfrentar o que a natureza nos trouxe como obstáculos.
Além disso, tem uma segunda parte desse mito importante, que diz que Perseu pegou uma gota de sangue da Medusa, dividiu-a e colocou em dois frascos. A gota de um frasco tem o poder de matar, a outra o poder de ressuscitar os mortos e restituir a vida.
Podemos ver neste ponto a natureza dual de um grande medo ou trauma: primeiro e bem conhecido, a habilidade do trauma de roubar a capacidade da vítima de viver e desfrutar a vida. O segundo de, diante de um grande desafio, medo ou trauma, ressuscitar uma vida numa nova direção.
Essa parte me encanta!
Se podemos então deixar de ficar só pensando no medo, ficar maquinando saídas, mas sempre olhando para o seu problema, o medo ficará preso a uma vida petrificada. No entanto, se você deixar de ficar pensando em seu medo diretamente e buscar alternativas para uma vida nova, terá a possibilidade de ter uma vida até melhor.
“Se não mata, engorda” – ditado antigo. Aquilo que sofremos e conseguimos lidar de alguma forma, nos fará crescer – crescimento pós-traumático. Criamos raízes mais profundas. Fortalecemos-nos diante dos obstáculos e aprendemos de vez que só pensar no problema nos mata aos poucos. O melhor a fazer é tomar distância, manter a mente focada no que se deseja e seguir em frente abrindo novas rotas, caminhos diferentes que possam conduzir para um fortalecimento maior.
Espero que você, ao pensar naquilo que paralisa, lembre-se: deixe de lado um tempo, mude o olhar para onde você deseja chegar. Respire fundo. Tome distância e conseguirá enfrentar seu problema com a cabeça mais tranquila e com esperança de que está em você o poder da mudança. Ver com outros olhos.