Jornal Estado de Minas

GEOPOLÍTICA

A hipocrisia e a geopolítica: um breve olhar sobre os Uigures na China

Vamos falar de hipocrisia.  A palavra de origem grega - hypokrisía, hypókrisis - que remonta à ideia da arte de atuar, utilizada nas peças teatrais da época, foi, ao longo do tempo, adquirindo outras conotações como a prática da dissimulação, que, apesar de contrariar os princípios éticos, tornou-se uma arma de “sobrevivência” bastante comum para os homens. 





A hipocrisia é usada pelos fracos perante os fortes ou pelos fortes (quando em menor número) para se manterem soberanos diante dos mais fracos, quando esses são mais numerosos.
   
Há muitas possibilidades de falar sobre as relações geopolíticas permeadas de hipocrisia no mundo (há um certo país ao sul do Equador e a oeste do meridiano de Greenwich que poderia ser ótimo exemplo). A prática é antiga. 

Mas, hoje, vamos nos concentrar em uma das notícias mais divulgadas na mídia ocidental: a violação de direitos humanos, que, supostamente, é cometida pela China contra os povos Uigures, na província de Xinjiang





Xinjiang é uma região autônoma, localizada na maior e mais remota província da porção ocidental da China, que faz fronteira com diversos países, como Cazaquistão, Tajiquistão, Quirquistão (ex-repúblicas soviéticas), Mongólia, Paquistão, Índia e Afeganistão. É nessa localidade que vivem os Uigures, povos de origem turcomana, predominantemente muçulmanos. 

China é acusada de cometer violação de direitos humanos por países europeus e Estados Unidos, especialmente, contra os Uigures.  As notícias tomam conta dos jornais internacionais. 

A China nega, como esperado. Por que tais acusações estão envolvidas de ampla hipocrisia por parte das nações ocidentais e islâmicas? Ora, os acusadores têm um longo histórico de violação de direitos humanos contra muçulmanos e outros povos em várias partes do mundo. Mas, estranhamente, fazem uma defesa severa dos direitos dos muçulmanos na China.





O mundo ocidental, praticamente, silenciou-se nas denúncias de violação de direitos humanos contra os muçulmanos, em 2004,  na prisão de Abu Ghraid, no Iraque, durante a invasão do país pelos EUA, com a doutrina de combate ao terror imposta pelo governo Bush, após os atentados de 2001. 

Os EUA adotaram métodos extremos de investigação, incluindo tortura e humilhações a mais de 2000 iraquianos, entre jovens e mulheres, que foram presos ali. Muitos inocentes. O fato não causou tanto repúdio.  

O mundo permanece muito silencioso em relação à violência contra palestinos, afegãos, sírios, chechenos e tantos outros que também são vítimas de violação cometida por seus governantes e, muitas vezes, apoiados pelas potências ocidentais, que se voltam com violência atípica contra a China. Hipocrisia!

Esse mesmo mundo que condena a China silencia perante os horrores que estão acontecendo na fronteira dos Estados Unidos com o México, envolvendo grupos migrantes em busca de oportunidades no país, que simboliza a democracia e um sonho a ser realizado. Lá, onde os pais se veem sem seus filhos, são tristemente separados e, literalmente, enjauladas, as crianças. Hipocrisia!

É provável que, em algum momento no futuro, os norte-americanos tentem apagar da sua história esse triste e vergonhoso tratamento dos migrantes em sua fronteira. É o que fazem hoje com o que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, período em que perseguiam os japoneses presentes no país como punição devido ao ataque à base de Pearl Harbor. 

Os japoneses inocentes, que ignoravam as pretensões dos líderes do Japão, foram levados para campos de concentração (ou de internamento) nos EUA. Sim. Isso ocorreu.

Os países muçulmanos não ficam distante da postura ocidental. Não condenam a China pelas supostas violações, mas o Irã, do Aiatolá Khomeini, se sentiu ofendido quando Salman Rushdie escreveu os “Versos Satânicos”, considerado uma blasfêmia ao livro sagrado do Islã, o Corão. 





O ato profano resultou em uma condenação à morte nos anos 80.  O mesmo grupo de governantes defensores dos muçulmanos, representados pela Síria e Egito, em 2005 se colocaram contra caricaturas inócuas promovidas em um jornal dinamarquês causando graves tensões no mundo árabe por violar direitos dos muçulmanos.  Mas, hoje, silenciam em relação à suposta violação de direitos humanos que a China cometeria na província de Xinjiang.

Seguindo a postura dos governos, as empresas Adidas, Nike e H&M vetaram o algodão de Xinjiang, supostamente, por utilizar mão de obra em regime de escravidão, de acordo com as imagens captadas por satélites!

Ora, relações de trabalho não são definidas por esses recursos. Essas mesmas imagens podem identificar trabalhadores hispânicos, nas fazendas de uva na Califórnia em péssimas condições de trabalho e com baixos salários, nem por isso estão vetando os vinhos que vêm de lá. 

É importante salientar que essas marcas estão sofrendo forte boicote interno dos cidadãos e celebridades chinesas (até de Taiwan e Coreia do Sul). Será que são assim tão nobres a ponto de perder o cobiçado mercado chinês? Creio que não! 

defesa dos Uigures é justíssima se comprovadas todas as informações divulgadas nas mídias ocidentais. Se há violação dos direitos humanos, não se questiona a defesa de um povo, em qualquer lugar, seja na China, na África ou no Brasil. 



É o que se espera de sociedades que baseiem sua política e sua estratégia Internacional no respeito a toda e qualquer expressão da cultura, da religiosidade, de línguas e tradições.

Não se apoia a discriminação. Pronto. Simples assim. É uma postura que não aceita “dois pesos e duas medidas“. Não se condenam atos visíveis na violação de direitos humanos em uma parte do mundo e se silencia ou ignora em outras partes (inclusive cometidas pelos próprios acusadores).  Isso é hipocrisia!

A geografia do poder que foi transferida para o continente americano há, aproximadamente, 75 anos (substituindo a supremacia europeia) está sofrendo com a forte concorrência asiática, representada pela China. 

A perda deste poder não interessa ao governo estadunidense. O colossal projeto de infraestrutura chinês “Belt and Road Initiative (BRI)”, que se estenderia do Leste da Ásia (por via terrestre e marítima) à Europa, chamada de a “nova rota da seda” pode consolidar esse poderio. 

Esse projeto ambicioso parte de Xinjiang. A província é chave para as pretensões do líder chinês Xi Jinping de implantar seu programa “Made in China 2025”, que pretende transformar e consolidar a China como a força econômica maior do Século XXI. Os falcões do ocidente estão inquietos com tal possibilidade e não vão permitir isso facilmente.

Tudo indica que toda essa comoção com os Uigures seja uma dissimulação dos reais interesses, e que, definitivamente, não são humanitários. Não há hipocrisia maior nos países do sol poente. Resta saber até quando.




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