Neste artigo, concluo uma análise sucinta da história do Irã, com a retomada de fatos que, ao longo do tempo, foram um pouco esquecidos ou relegados a um segundo plano da história.
O Irã ocupa bastante destaque na mídia atual, principalmente, devido ao seu programa nuclear e pelos acordos firmados com os EUA, durante o governo de Barak Obama (2015) e rompidos, em 2018, pelo, então presidente Donald Trump. Além das divergências com Israel (que no passado foi um grande aliado do Xá).
O Xá dos xás, a “Luz dos Arianos” (origem do nome do país) como havia se autointitulado, sucumbiu aos seus próprios erros e desmandos.
A Operação Ajax, arquitetada pela CIA (EUA) e M16 (Reino Unido), permitiu ao Xá reassumir o trono em 1953, com a interrupção da curta experiência democrática iraniana, iniciada por Mossadeqh.
Para muitos analistas internacionais, o golpe de 1953 é a raiz do terrorismo e do antiamericanismo no Oriente Médio sendo possível traçar uma linha de continuidade, de causa-efeito, entre a operação Ajax e os atentados às Torres Gêmeas, em Nova Iorque, em 11 de setembro de 2011, 20 anos atrás.
O retorno do Xá Reza Palhavi ao poder foi marcado por uma monarquia tirânico conduzida pela polícia política SAVAK, criada nos moldes da MOSSAD, a polícia secreta de Israel (hoje arqui-inimigos, mas grandes aliados durante a dinastia Pahlavi). O Xá passou a governar como um ditador.
A Savak foi acusada de práticas de torturas indizíveis (como toda e qualquer tortura) e a morte de milhares de opositores do regime de barbárie do líder iraniano.
Enquanto isso, o Ocidente tratava o xá como um autocrata sábio, jamais como um ditador sanguinário. As relações do xá eram amistosas com as lideranças mundiais mais diversas, que incluía os Estados Unidos, Israel, Inglaterra, assim como a União Soviética e até com a China, que inaugurou sua embaixada, em 1971, no país.
As lideranças globais o tratavam como o mais modernizante dos chefes de governo do Oriente Médio, mas ignoravam que a massa da população estava à margem da sociedade, que apenas uma reduzida elite, ligada aos britânicos e norte-americanos, usufruía de quase toda a riqueza do país. A maioria da população era dizimada.
Foi nesse cenário, marcado pela violência, barbárie e corrupção que surgiu a força do Aiatolá Ruhollah Khomeini. Em 1963, ele condenou por diversas vezes o poder do xá. Na cidade Kerbala, ao denunciá-lo publicamente, foi preso e levado para a capital, Teerã. A ira popular, após sua prisão, confirmava que Khomeini era o líder da oposição.
No dia 4 de novembro de 1964, Khomeini fez um discurso que condenava a lei que impedia integrantes das forças americanas (que cometessem crimes no Irã) fossem julgados no país. Um americano que assassinasse um iraniano poderia sair livremente do país. O iraniano que fizesse o mesmo poderia ser enforcado. No dia seguinte a esse discurso, Khomeini foi exilado para a Turquia.
A “Revolução Branca” do xá não surtiu o efeito esperado. Dois anos antes da Revolução Islâmica (1979), Reza Pahlavi afirmava que o Irã seria mais moderno que a Europa em menos de uma década. Isso não se fez, como a história vai mostrar.
O governo desconsiderou a população rural (que havia emigrado para a cidade, após a reforma agrária) e exercia trabalhos extremos, a custos baixíssimos. As indústrias de fabricação de tapetes chegaram a empregar, como maioria da força de trabalho, crianças de 6 a 10 anos e quem se opunha ao governo era preso e torturado até a morte.
Na contramão dessa realidade, os chefes de estados mundiais enalteciam a figura do xá. Um evento nababesco, de 1971, com 3 dias de festas para comemorar o trigésimo aniversário do seu regime, contou com a participação de líderes e celebridades de todo o mundo.
Foram gastos mais de 300 milhões de dólares em comida, cantores e excessos os mais variados (como uma tenda montada nas ruínas da cidade, com banheiras ornamentadas com ouro maciço e uma tonelada de caviar, preparados por 200 chefs trazidos da Europa) na cidade de Persepólis, antiga capital do império persa, fundada por Dario.
O evento contrastava com as condições de vida miseráveis da maior parte da população do país. Essas excentricidades, que acentuavam as disparidades sociais, foram o motor dos movimentos populares que derrubaram o xá, após sucessivos erros, em 1979.
O iraniano é persistente. Um povo que demora 10 anos para produzir um tapete sabe esperar o tempo suficiente para obter a vitória na guerra.
Após a Primeira Crise do Petróleo, em 1973, os petrodólares aumentaram significativamente para os países da região do Oriente Médio e demais integrantes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). A OPEP, cartel criado em 1960, aumentou o barril de óleo bruto em mais de 400%, após a derrota árabe na quarta guerra contra Israel, a Guerra do Yom Kippur.
Essa derrota não foi a única causa. Havia uma insatisfação generalizada com as trocas comerciais vigentes no mercado petrolífero mundial. A crise de 1973 foi resultado das insatisfações com as políticas estabelecidas no setor pelas potências econômicas no mercado global. O valor do barril, em 1971, era aproximadamente, 1,80 USD e chegou a mais de 12 USD, com a crise.
O mundo sofreu na totalidade os efeitos da crise do petróleo. No Brasil, encerrava-se o “milagre econômico”.
No Irã, em 1973, foram nacionalizadas as reservas petrolíferas, como Mossadeqh havia feito anteriormente! Apenas 16% dos ganhos ficavam com o Irã. As empresas estrangeiras britânicas e americanas (depois do golpe de 1953) embolsavam os demais lucros.
A inflação, entretanto, aumentou terrivelmente os custos de vida da população iraniana, o desemprego atingiu patamares alarmantes no país onde a maioria do povo já sofria com muita escassez de bens básicos.
Mas o Xá tinha outros propósitos com a sua fabulosa renda do petróleo. Mais de 50% do PIB era destinado à compra de armas e equipamentos para o exército. O Irã possuía mais tecnologia, adquiridas dos EUA, que os países europeus. Era uma das nações mais bem armadas do mundo na época.
Foi nesse período que o Irã adquiriu os reatores nucleares dos EUA para fins pacíficos (geração de energia). São esses mesmos reatores que, hoje, assombram os norte-americanos, pois os sucessores do antigo aliado deram início ao programa nuclear para fins bélicos, com base nessa tecnologia.
Somado a todo esse cenário, o secularismo praticado pelo governo não favorecia a política adotada entre os iranianos, exaustos da corrupção e tirania do governo, através da perversidade praticada pela Savak.
Os movimentos populares ganharam força. As gravações, em fitas-cassetes, do Aiatolá Khomeini estimulando a resistência da população ao regime se espalham pelas principais cidades do país.
Conduzidos pelas lideranças religiosas, a população toma as ruas contra a dinastia dos Palhavi, a ocidentalização da cultura e a brutalidade das torturas praticadas, numa repressão selvagem promovida durante décadas. O Xá foi obrigado a renunciar. A megalomania, a incompetência, a tirania e a corrupção encerravam os planos de modernização do Xá.
Khomeini, que se encontrava no Iraque, durante o auge das manifestações populares no Irã, foi forçado a ir para Paris, em 1978. Em 1 de fevereiro de 1979, Khomeini retorna ao Irã, 15 anos depois do exílio. Envolto em vestimentas negras, o Aiatolá surge no aeroporto de Teerã. Uma multidão o acompanha. O desfile em carro aberto foi acompanhado por uma maré negra de admiradores. O motor do carro foi desligado e o veículo passou a ser conduzido pela população entre gritos de “Alá é Grande” e “Khomeini é nosso chefe”.
Quando o Xá refugiou-se nos EUA, a população temia que a CIA arquitetasse um novo golpe, como a Operação Ajax (1953) e que ele voltasse ao poder. Essa foi uma das causas da tomada da Embaixada dos EUA pelos estudantes iranianos, com o apoio do Aiatolá. 53 pessoas foram feitas reféns durante 444 dias de cativeiro. A tentativa de resgaste foi um fiasco.
Os helicópteros enviados na “missão de salvamento”, do Presidente Jimmy Carter, após enfrentarem condições desfavoráveis no deserto se espatifaram no chão e todos os tripulantes morreram. Essa fatídica e atrapalhada ação de Carter, colaborou para sua derrota para Ronald Reagan, nas eleições de 1980. Há indícios de que houve negociações de Reagan com o governo revolucionário do Irã para prolongar a crise até o momento do pleito.
Pouco depois de Reagan chegar à presidência, o problema foi, miraculosamente, resolvido.
A ascensão de Khomeini ao poder deu início a uma república teocrática islâmica, nacionalista, anticapitalista, antissionista e anti-imperialista, cuja legislação foi inspirada na Sharia (lei islâmica).
O Ocidente perdeu um dos maiores aliados no Oriente Médio e desde então intensificaram-se as rivalidades entre os países ocidentais e o clérigo xiita no comando do país. Khomeini morreu em 1989 e deixou um país distante das esperanças que foram nele depositadas.
Sempre é bom relembrar a frase de Mossadeqh: "Nenhuma nação vai a lugar nenhum sob a sombra da ditadura."