Era o ano de 1932. A história começa no vizinho ao Norte, os Estados Unidos. Uma “seca diferente” de qualquer outra vista na região das planícies do Sul havia atingido a região.
Durante as décadas anteriores, no coração do Meio-Oeste americano, o homem havia limpado, arado e semeado uma terra pouco fértil e pouco acolhedora para transformá-la no celeiro dos EUA. Os campos foram subjugados e transformados em “deserto” com as práticas agrícolas adotadas.
Foram os humanos os principais atores dessa tragédia.
A geografia norte-americana, resumidamente, é representada pelas altas montanhas, na porção ocidental, as planícies, na porção central e os planaltos orientais. As planícies, recobertas, originalmente, por uma vegetação de pradarias, com predomínio de gramíneas era o habitat dos nômades ameríndios e onde os animais pastavam livremente. Nenhuma atividade agrícola havia sido realizada ali devido à inconsistência das chuvas.
Porém, nos anos 1900, a terra era barata, e a construção de uma ferrovia que cruzava a região atraiu muitos imigrantes e agricultores em busca de uma vida melhor e mais próspera. É a partir daí que vários fatores mudarão o curso da história: a Primeira Guerra Mundial, um período de fortes chuvas (difundiu-se a crença de que “a chuva seguia o arado”), os avanços tecnológicos em equipamentos agrícolas, levaram à conversão de milhões de hectares de pradarias em campos de cereais.
As gramíneas, com suas raízes profundas, que ajudavam a fixar o solo e a armazenar a umidade nos períodos de seca, foram substituídas por campos plantados
A Grande Depressão atinge os Estados Unidos, resultante do crash da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, acaba afetando a região. Os agricultores decidem aumentar a produção para compensar suas perdas. E, ao fazerem isso, o número de terras aradas aumenta exponencialmente.
Como nada é tão ruim que não possa piorar, a partir 1932, secas severas atingiram a região, deixando a terra desnuda, exposta ao sol e aos ventos. São esses ventos que vão levantar a terra seca e a poeira para formar verdadeiras tempestades de areia, cada vez mais frequentes e cada vez mais mortais.
Em 1932, 14 delas varreram a região. No ano seguinte, eram 38. Essas alterações ecológicas vão durar mais de uma década. O evento (originalmente, identificava a área atingida) ficou conhecido como “Dust Bowl”.
As nuvens de poeira deslocaram do Sul para o Norte, atingindo Chicago, nos Grandes Lagos e, para Leste-Nordeste, alcançando Cleveland, Washington, Nova York etc. Dias se transformavam em noites. No inverno de 1934-35, neve vermelha caiu sobre Nova York.
Nesse momento, os norte-americanos se atentaram para a enormidade do problema. O New Deal, o plano de recuperação da economia dos EUA, implantou um programa de contratação de desempregados, que tinha como objetivo a revitalização da terra e o sustento de famílias inteiras. Foram implementados programas de reflorestamento e o desenvolvimento de novos modelos agrícolas, garantindo a recuperação da terra ao longo do tempo (se o homem não voltar a interferir. O temor existe).
No Brasil, no final de setembro, em plena primavera, estação que anuncia o período chuvoso em boa parte do país, cidades do interior de São Paulo e parte de Minas Gerais foram surpreendidas com um céu apocalíptico: tempestades de areia vermelha transformaram o dia em noite.
A seca que atinge a região de São Paulo há vários meses (o período de outono-inverno, que se estende de março a setembro, é seco nessa parte do país) e os ventos fortes que atingem 100km/h contribuíram em grande parte para levantar essa poeira e criar uma tempestade monstruosa.
Essas tempestades, em que fortes ventos levantam uma vasta parede de poeira que pode medir milhares de metros de altura, é conhecida como haboob. O termo sudanês, vem da palavra árabe "habb", que significa "soprar". As paredes de poeira, que se movem rapidamente, são comuns em partes áridas do mundo. Não em cidades!
Haboobs são raros nesta parte do Brasil. Com essa intensidade não há registros na área atingida. Pelo menos seis pessoas perderam suas vidas em consequência dessas condições atmosféricas. As seis vítimas morreram afogadas ou devido a queda de árvores, desabamento de casas ou incêndios.
Pouco se fala de um fator determinante: essas regiões concentram um grande número de plantações de cana-de-açúcar, laranja, soja etc. com grandes áreas sem vegetação e, portanto, um maior número de partículas passíveis de voar com as rajadas de vento. Todos estão calados perante a intensidade do problema. É um Dust Bowl tropical ignorado.
O Brasil tornou-se um “jardineiro” comercial. Desmata e planta para abastecer mercados mundiais. O ciclo se intensifica em ritmo alarmante, mas não sensibiliza e um silêncio ensurdecedor paira sobre todos: o mercado, políticos, a sociedade civil e a imprensa não evidenciam a gravidade do que se anuncia. Os sinais estão aí, só não ver quem não quer.
O espectro da seca se aproxima mais uma vez e as mudanças climáticas são ignoradas pelos líderes mundiais, ecocida ocupa cargo de poder, ex-ministro do meio ambiente trafica árvores e deixa passar a boiada, o desmonte das leis ambientais é contínuo. As coisas acontecem como se não houvesse futuro. A agudeza do problema é inegável.
É angustiante. Há todo momento somos informados de uma nova tempestade de areia em cidades do coração econômico do país. Não somos mais surpreendidos. Não gera comoção ou medo. A notícia virou lugar comum.
É a ressureição do pó. Vamos louvar “o pó acima de todos”. Amém!