Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são, embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos
Que não têm cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local. Os
ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.
Eduardo Galeano, O livro dos abraços.
Ao publicar um artigo, em 1995, com o título Aporofobia, um neologismo originado do grego A-poros, pobre e Fobéo, aversão, a filósofa espanhola Adela Cortina, criou um vocábulo que ganha cada vez mais espaço junto a um grupo, ainda seleto, de estudiosos, grupos filantrópicos, religiosos (no Brasil, o Padre Júlio Lancellotti o torna cada dia mais popular) e de lideranças políticas.
A filósofa, em seus artigos, afirmava que o uso comum da expressão xenofobia ou o racismo para rejeitar imigrantes ou refugiados não correspondia à toda a complexidade da questão, pois o ódio não era destinado à sua condição de estrangeiros, exclusivamente, mas sim à sua condição de ser pobre.
Era evidente que os estrangeiros abastados não sofriam rejeição, pelo contrário, eram recebidos com cordialidade e, até mesmo, com entusiasmo, alimentado pela expectativa dos rendimentos que poderiam gerar, as possibilidades de ganhos e empregos. Por outro lado, o mesmo sentimento não era similar àquele que era oferecido ao imigrante pobre e descapacitado.
A necessidade de uma expressão para esse "flagelo social sem nome" surgiu desse contexto. Dar um nome para identificar essa moléstia social e buscar um tratamento eficaz no combate a esse mau.
O ódio aos pobres é expresso, principalmente, aos estrangeiros imigrantes, mas também aos excluídos de seu próprio país e ,em uma escala um pouco menor, aos membros da própria família. Muitos dos que vivem nas ruas foram vítimas de crimes de ódio. Devido à sua situação de exclusão, tornaram-se mais indefesos.
Segundo os especialistas, o ser humano é, naturalmente, aporofóbico. O cérebro humano funciona nos princípios do que é recíproco (Homus Reciprocus). A espécie está disposta a dar, se acaso receber. Como o pobre não pode fornecer, de acordo com essa premissa, nada mais que problemas, ele será marginalizado e excluído. Torna-se um pária social.
Em contrapartida, o sentimento inverso dados aos ricos é intensificado. É a "Plutofilia", neologismo também de origem grega (Plutos: riqueza, fortuna e Philos: amantes de, amigos) criado pelo escritor chileno, Agustín Squella, que corresponde ao amor dedicado aos ricos e poderosos. Adam Smith já discutia sobre isso no Século XIX. Smith afirmava que há uma tendência humana de admirar os ricos e desprezar os pobres.
Assim como a aporofobia define a rejeição dos pobres ao confundir pobreza com defeito a plutofilia descreve o amor dos ricos, porque confunde riqueza com virtude.
As sociedades que não buscarem um mecanismo de equilíbrio entre estas realidades, que compõem as duas faces de uma mesma moeda, aumentarão as desigualdades, que ampliam o fosso social construído por esse binômio.
É necessário que governos criem políticas públicas sérias e de longo prazo para as pessoas e lugares mais pobres, desprovidos de recursos. Sem a preocupação de receber algo em troca (votos, favores ou privilégios). Abandonar o "Efeito Mateus" em que ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres.
Beneficiar a todos, independente de qualquer condicionante, colabora para a justiça e o maior desempenho social. Torna o governo empático e altruísta, sentimentos que se tornam cada vez mais raros nos dias atuais. Agir dessa forma, é o meio mais justo e o mais inteligente, uma vez que o Estado é responsável pelos seus cidadãos, principalmente, os mais empobrecidos e desamparados.
A "ekipeKonômica" que não colocar como prioridade tais práticas, não é merecedora de credibilidade. Enquanto nutrirem gatos gordos só aprofundarão o abismo que ronda muitas das sociedades modernas desenvolvidas e subdesenvolvidas, como o Brasil. Ser avessa à desigualdade, visível em cada canto, demonstra o eterno oportunismo de cooperar somente com aqueles que são capazes cooperarem com eles.
A redistribuição das riquezas é possível e mais urgente que o "auxílio emergencial". Nas sociedades marcadas por extremas disparidades exigir impostos maiores para quem tem mais deveria ser regra e, assim, garantir investimentos mais robustos para as necessidades dos menos afortunados.
A taxação de grandes fortunas, propostas por alguns líderes políticos, como o projeto de lei que tramita no senado, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues/ Rede-AP (PLP 101/2021) e da norte-americana, de descendência porto-riquenha, Alexandria Ocasio-Cortez, Congressista de Nova Iorque, deveriam ganhar mais urgência. Bem administrados, esses recursos, oriundos dos impostos proporcionais ao padrão de riqueza, criariam uma igualdade de oportunidades e, certamente, impactaria positivamente a vida dos menos favorecidos.
O homem econômico - aquele que sempre se comporta de uma forma estritamente egoísta em busca de maximizar sua satisfação econômica- deve ceder um pouco mais ao ser humano real, que não possui tanto.
Somado a esse esforço, a educação tem um papel primordial na redução da desigualdade. Os países que oferecem educação e maior cultura, garantem aos seus cidadãos melhores condições de explorar seus recursos e potencialidades. A educação tem o poder de mitigar o impacto da pobreza.
O ganhador do Nobel de economia (1998), o indiano Amartya Sem, diz que pobreza é a falta de liberdade para implementar planos de vida valiosos. Uma população instruída é muito mais livre e, portanto, mais rica no que realmente importa.
A sociedade tem que se posicionar em defesa de uma cultura moral e política, baseada no respeito à dignidade de todos os indivíduos, construída a partir de uma igualdade da educação e das instituições. Não fazer nada não implica que uma coisa não leva a outra. Uma coisa impedirá a outra.