Jornal Estado de Minas

SUELI VASCONCELOS

Mineração em Minas Gerais: um cenário de desenvolvimento e impactos

Durante a manhã deste sábado (8/01), as redes sociais e o WhatsApp foram invadidos por imagens de lama e destruição em um trecho da BR 040, no município de Nova Lima, nas proximidades de Belo Horizonte. 

O sistema de drenagem da Mina de Pau Branco, da Vallourec, cedeu devido às fortes chuvas dos últimos dias.   

A corrente de lama, o toque da sirene e as tragédias dos últimos anos trouxeram à tona o pânico de uma nova catástrofe, causada pela mineração na região do Quadrilátero Ferrífero, umas das maiores reservas minerais do mundo. Felizmente, o cenário era menos devastador. 





O minério de ferro é explorado em Minas Gerais num contexto ecológico bastante difícil. Alguns dos depósitos mais abundantes e que já foram considerados de melhor qualidade do planeta encontram-se no Quadrilátero Ferrífero, uma área montanhosa, atrativa para os turistas, mas difícil para a mineração em grande escala, de acordo com os analistas.

As chuvas de verão podem ser torrenciais (como se observa nos últimos dias), com precipitação anual superior a 1.400 mm, e os mais diversos ecossistemas, que vão desde as espécies da Mata Atlântica, ao Cerrado e campos de altitude, são encontrados nessa região.

Várias minas de superfície produzem mais de 200 milhões de toneladas de minério por ano, colocando o Brasil entre os maiores produtores mundiais de ferro. Em  Minas Gerais, elas produzem volumes substanciais de material estéril e rejeitos por tonelada de minério extraída. Isso significa que grandes quantidades de sedimentos são removidas e devem ser descartadas e adequadamente controladas.





O Estado de Minas Gerais carrega no nome a importância da atividade na sua economia, desde os tempos coloniais. A tradição da mineração representa mais de 300 anos da história mineira, desde a descoberta do ouro de aluvião, no final do Século XVII. O ciclo do ouro transfere o poder político do Nordeste para o Sudeste e torna o Brasil o maior produtor mundial de ouro, ao longo do século seguinte.  

No Século XX, inicia-se o Ciclo do Ferro, com a criação de Companhia Vale do Rio Doce – CVRD - (atual Vale), em 1942, durante o governo de Getúlio Vargas, e a exploração da Mina do Cauê, em Itabira.  A economia mineira torna-se fortemente dependente da exploração do seu subsolo.

A vocação minerária do estado se consolida durante a Segunda Guerra Mundial, com a demanda dos EUA pelo aço. Nesta fase, que se estende até os anos de 1970, havia total desinteresse pelo meio ambiente. As práticas adotadas com os rejeitos eram derivadas da técnica de empilhar entulhos em bota-foras, localizados em qualquer local adequado.

Esses depósitos livres de resíduos e lama degradaram-se e frequentemente encheram os rios com sedimentos, por quilômetros. A terra ao redor das minas parecia muito vasta para se preocupar. 

Em geral, a atitude dos diretores de minas, a esse respeito, parecia ser deixar que a natureza curasse suas próprias feridas, com uma recolonização vegetal precária.  Somente a partir de 1977, com a pressão da população de Belo Horizonte, que via a crista da Serra do Curral ser gradativamente destruída pelas mineradoras, que o setor começa a se mobilizar para um processo ambiental mais sustentável. 





A Constituição Federal de 1988 começa a regulamentar a prática ambiental. O artigo 225 da Constituição estabelece que os exploradores de recursos naturais são obrigados a restaurar o meio ambiente degradado, obedecendo a normas técnicas exigidas em lei pelo órgão público competente. A questão ambiental começa a fazer parte da pauta desta atividade, com a aplicação das leis que resultou em novos parâmetros no processo de exploração mineral. 

Na virada do século XXI, o setor minerário atinge o ápice do seu desenvolvimento, com um ciclo de produção quatro vezes maior em relação aos anos anteriores, devido às fortes demandas chinesas e necessidades impostas pela globalização da economia.  

Segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), Minas Gerais representa mais de 50% da produção nacional de minerais metálicos como o ferro, o nióbio (75% da produção mundial, com reservas em Araxá estimadas para atender as necessidades mundiais por 400 anos!), o maior produtor mundial de concentrado de tântalo, o único produtor nacional de zinco e lítio etc. Os demais minérios correspondem a 29% do total do país.   

O faturamento minerário, no Brasil, em 2020, foi na ordem de R$209 bilhões, de acordo, com o Ministério das Minas e energia (MME). A mineração representa 4% do Produto Interno Brasileiro (PIB). Em MG, esse percentual é duplicado. 

Em Minas, há 482 municípios (mais de 50% do total), que dependem, quase que exclusivamente, dos tributos e empregos gerados diretamente ou indiretamente pelo setor industrial mineral. Minas não vive só de cafezinho com pão-de-queijo, tutu, doces de compota etc. A mineração é a força motriz da economia de  parte expressiva do estado. 





No Quadrilátero Ferrífero esta atividade é caracterizada pela proximidade das áreas exploradas com os núcleos urbanos. Muitos deles, densamente ocupados. Essa realidade amplia as tensões com as comunidades locais, ao mesmo tempo em que gera boa parte da riqueza que as sustentam. 

Há também outra particularidade na região: uma concentração expressiva das minas,  potencializando os impactos em um contexto geográfico especifico. Esse contexto requer um olhar integrado tanto em termos econômicos como o da sua segurança estrutural. 

A forte demanda das últimas décadas do minério resultou no aumento da escala de produção, além de grandes pressões nas unidades industriais existentes e nas barragens de contenção de rejeitos, algumas delas de métodos construtivos muito questionados recentemente. 





Uma das consequências desse ciclo de superprodução do minério e a pressão sobre as barragens foram os tristes acidentes de Mariana (05/11/2015) e de Brumadinho (25/01/2019). O rompimento das barragens de rejeitos do Fundão (Samarco) e do Córrego do Feijão (Vale S.A), respectivamente, ceifaram a vida de centenas de pessoas.  O rompimento da mina do Córrego do Feijão é considerado o maior desastre em número de vidas humanas promovido por uma barragem na história do Brasil e do mundo. 

Além das vidas perdidas, os desastres afetaram a vida de comunidades inteiras, como as ribeirinhas, as indígenas e a de produtores agropecuários, que dependem dos cursos d’água. A partir daí, foram escancarados os riscos e falhas do atual modelo de exploração mineral e a fragilidade do sistema de fiscalização em curso. Os danos socioambientais repercutiram mundialmente. 

No Brasil, há 790 barragens de rejeitos, 185 com características muito similares àquelas que romperam em 2015 e 2019.  

Após esses eventos,  a indústria da mineração passa a enfrentar vários desafios. O maior, provavelmente, é aquele que exige conciliar a produtividade com a sustentabilidade ambiental e social. O modelo de mineração brasileiro, até então adotado, passou a ser revisado  de modo a  evitar tragédias das proporções de Mariana e Brumadinho.





A atividade de mineração é estratégica e fundamental para o desenvolvimento social e econômico de todo o mundo. Os países que detém as maiores reservas, se administrarem bem os seus recursos e os resultados deles, podem se transformar em grandes baluartes da economia mundial. 

Os minerais metálicos compõem os principais produtos consumidos no cotidiano mundial e são artigos cobiçados pela grande maioria da população. Há um crescente padrão de consumo global que não observa claramente os padrões estabelecidos para sua exploração. 

De modo geral, todos os países ou regiões que têm suas economias subordinadas às commodities minerais enfrentam os desafios impostos pela ciclicidade dos mercados, os riscos de escassez dos recursos naturais a médio-longo prazo (com a necessidade de desenvolver atividades econômicas que substituam a era pós-minério) e a maior responsabilidade com o meio ambiente e as comunidades locais. Com Minas Gerais não será diferente. 

Assim como Drummond, muitos mineiros enfrentam sua realidade: “podem ser tristes e orgulhosos,  de ferro;  com 90 por cento de ferro na calçada e 80 por cento de ferro nas almas".




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