Nos últimos meses, a crise ucraniana-russa ganhou todos os noticiários mundiais. O risco iminente de uma invasão russa é divulgada, continuamente, pelas lideranças ocidentais, principalmente, por Joe Biden (EUA) e Boris Johnson (Reino Unido). A impressão que se tem é que acumulam mais conhecimento da geopolítica territorial ucraniana que o próprio presidente do país, Volodymyr Zelensky.
O presidente é um comediante sem experiência política, eleito em 2019, com 73% dos votos, como uma demonstração de quase total rejeição ao seu rival, um símbolo da elite ucraniana. O fato é que poucos atentam à concepção do presidente em relação à questão emblemática em que os dois países vizinhos se encontram. O Ocidente parece ditar as supostas ações possíveis dos envolvidos, sem nenhuma garantia de apoio verdadeiro à Ucrânia.
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A Turquia e os desafios para a entrada na União EuropeiaCaos no Cazaquistão: um olhar atento a issoMineração em Minas Gerais: um cenário de desenvolvimento e impactos A guerra da Ucrânia e a segurança alimentar globalO cenário belicista e o pânico têm consequências sobre a economia do país. Isso deve exigir uma política mais independente dos políticos ocidentais. Percebe-se que o presidente tentou se alimentar do risco imediato de uma guerra com a Rússia como forma de angariar mais armas e recursos financeiros, além de levar a mais sanções ao vizinho hostil. Tudo isso, entretanto, não impediria a derrota. Ela é inevitável em confronto entre os dois países. O poder bélico russo é, notoriamente, superior ao ucraniano.
Zelensky necessita ser mais coerente com sua retórica e levar segurança nas suas decisões. É preciso lembrá-lo que Biden e Johnson podem estar se aproveitando desse cenário para dissipar seus próprios problemas domésticos. Ambos enfrentam momentos críticos de popularidade interna. Nenhum deles sinalizou um compromisso real de apoio no caso de uma ofensiva russa.
A união da Ucrânia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) parece muito pouco viável, o que pode ser considerada uma vitória parcial russa. A Rússia exige o distanciamento do país da aliança militar e o abandono da OTAN às adesões dos países da antiga Europa do Leste socialista (quase impossível).
Alguns cenários podem ser construídos a longo prazo. Um deles é a derrota e a perda da liderança geopolítica russa, uma humilhação que Putin vai tentar evitar a qualquer preço. Mas para que isso se torne mais plausível, a colcha de retalhos russa teria que intensificar seus movimentos em direção à independência, em especial, na região caucasiana-caspiana (a terra das mil línguas), onde estão os separatistas da Chechênia, Inguchétia, Ossétia Daguestão, entre outros.
Outro cenário possível é a neutralidade da Ucrânia, assumida em um acordo internacional de não aderir à OTAN e assim afastar a malevolência russa. Mas não há consenso quanto a isso internamente, pois os ucranianos estão divididos e zero garantias de que a Rússia irá se comprometer, de fato, com esse acordo.
O cenário mais favorável e de resultado mais equilibrado envolveria um acordo que envolvesse a Europa, Incluindo a Ucrânia e a Rússia, em um projeto de segurança abrangente, que já foi proposto em 2019. O então presidente na época, na tentativa desesperada de reeleição, inseriu na constituição ucraniana, uma cláusula de integração euroasiática, considerando essa possibilidade.
Nesse contexto o compromisso da segurança multilateral deveria ser edificado com firmeza, priorizando a contenção militar e a transparência das ações múltiplas, como base da construção de um alicerce geopolítico regional, baseado no fortalecimento da confiança mútua. Para tanto, o envolvimento mais amplo da sociedade ucraniana e partidos políticos deve ser coeso para que isso se concretize.
Nesse momento, é emergencial que os Acordos de Minsk I e II (2014/2015) sejam implementados de fato. Seu cumprimento nunca ocorreu na prática. Os treze pontos principais nunca foram implantados, mesmo que sigam a lógica de todos os acordos de paz.
Para o sucesso dessa empreitada, todos os atores dessa escalada de tensão devem ser consultados e envolvidos (isso inclui os separatistas e a possibilidade de criar uma região autônoma em Donbass), com seriedade, em um grande projeto de paz.
Manter o atraso na sua implementação dos Acordos de Minsk (desde 2015), resultará numa resistência e baixa popularidade cada vez maior entre a população. O presidente Zelenskyy tem uma missão hercúlea pela frente e isso implica mudanças de estratégias, até agora adotadas.
Como comediante, criou um personagem fictício de um professor que, acidentalmente, se torna um presidente e se posicionava com criatividade e desenvoltura contra a “velha política” ucraniana. Esse papel foi primordial para sua esmagadora vitória, em 2019.
Ao sucumbir nos mesmos vícios dos seus antecessores como ceder às pressões das oligarquias políticas, da parcela da sociedade mais nacionalista e das lideranças ocidentais, acabou por repetir erros já conhecidos. Recuperar as promessas de campanha, de diálogo e unidade nacional, são imprescindíveis para seu comprometimento aos eleitores, anunciado no dia da vitória, seja real: “nunca vou decepcionar vocês”. O momento é agora.