A histórica neutralidade da Finlândia está próxima do fim. No final da década de 1940, o país assumiu, com antiga União Soviética, o status de permanecer estritamente neutro em troca da não interferência soviética em seu território. Essa política ficou conhecida com finlandização durante a Guerra Fria.
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A proximidade com São Petersburgo, as relações humanas e econômicas densas com a Rússia foram alguns dos fatores que serviram de pressupostos para não inserção na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) nas últimas décadas. Medida semelhante foi adotada pela Suécia.
A fronteira, de mais 1.340 quilômetros, atualmente, é compartilhada com os russos, que herdaram a quase totalidade do poder geopolítico da antiga superpotência. Essa extensa vizinhança desestimulava uma participação na Aliança Atlântica, cujos custos de defesa sempre foram considerados muitos elevados.
Muitos relatórios foram produzidos com o objetivo de analisar uma possível entrada desses países na OTAN. As conclusões desses documentos indicavam que essa adesão dependia exclusivamente deles, mas que não encontraram argumentos que justificassem essa participação. Todavia, a política agressiva adotada pela Rússia na Ucrânia muda completamente a estratégia finlandesa. A reviravolta é impressionante.
Há indícios de que esse cenário foi construído mesmo antes da ocupação ucraniana pelos russos. Vladimir Putin ignorou preceitos básicos de liberdade e democracia consolidados nos países escandinavos, que incluem Suécia e Finlândia.
Ao entregar em dezembro de 2021, aos Estados Unidos, dois tratados de reorganização da segurança na Europa, sem a participação dos europeus na elaboração desse documento, com uma cláusula que proibia a entrada da Finlândia e da Suécia Putin altera a política até então adotada de liberdade de escolha! A partir desse momento, não era mais uma escolha soberana dos escandinavos, mas uma ordem imposta pela Rússia. Não soou, favoravelmente, essa ordem aos suecos e finlandeses.
A OTAN é considerada vital para os ocidentais, em especial, aos EUA devido a três fatores principais: fortalece a estabilidade e a segurança dos membros, principalmente, em suas relações econômicas; colabora com preservação de valores comuns aos integrantes, como a democracia, o estado de direito, a Liberdade individual e a soberania nacional, além de favorecer o compartilhamento dos gastos, em cenários de tensões, entre os integrantes da Aliança Atlântica.
Para a organização, a entrada dos novos membros simboliza o fortalecimento de toda a Aliança. Os dois novos membros são representantes sólidos dos preceitos defendidos pelo tratado de defesa da organização. Os elevados investimentos que as duas nações estão destinando a sua defesa colaboram para a sua entrada efetiva nos próximos meses, ao se tornarem parceiros na luta do ocidente contra "dois inimigos" atuais: a ameaça russa e os grupos terroristas. Os encargos dessa tarefa podem ser amenizados com o alargamento da OTAN em direção à Europa setentrional.
Simultaneamente, os dois países terão, após a oficialização da entrada, a proteção garantida pelo artigo 5, que ampara o princípio da defesa coletiva da OTAN, a pedra angular da Aliança Atlântica, dificultando uma agressão externa na região.
Para a UE, a adesão dos dois países implica a participação de 23 dos 27 integrantes do bloco (exceto Malta, Chipre. Áustria e República da Irlanda). Dessa forma, apesar do acordo de segurança mútua, garantido pelo artigo 49 da UE, a entrada dos dois países é um reforço significativo na proteção europeia e simbolizará, no futuro, um trabalho conjunto (UE e OTAN) nos interesses regionais, mesmo que isso altere a autonomia do bloco.
O pedido de adesão da Finlândia e da Suécia é um golpe estratégico devastador aos interesses geopolíticos de Vladimir Putin. O líder russo criou a ilusão de enfraquecer a OTAN ao invadir a Ucrânia, mas os efeitos foram exatamente o contrário.
A aliança, que parecia desarticulada, se unifica e coloca a Rússia como o inimigo a ser combatido. O Ocidente, disperso em suas estratégias, estabeleceu uma linguagem comum contra o líder russo e tudo o que ele representa. Em mais de 80 dias do início da ocupação ucraniana, nenhuma grande vitória, de fato, foi alcançada pelos russos.
Ao anunciar, no dia 12 de maio, o fim da neutralidade histórica a Finlândia abre um novo desafio geopolítico à OTAN, que terá que reforçar sua defesa em uma larga fronteira terrestre com a Rússia, estabelecer novas estratégias no Mar Báltico e enfrentar uma pedra no sapato, chamada Kalingrado, um enclave russo entre a Polônia e a Lituânia, um dos países bálticos.
Putin reagiu rapidamente e anunciou a suspensão da eletricidade a partir de sábado (14 de maio) aos finlandeses devido a "contas não pagas". Se ocorrer como na Polônia e Bulgária - no dia de 26 de abril, Putin fechou as torneiras de gás destinado aos dois países-, nada de muito destrutivo à economia e sociedade ocorrerão com esse feito, nos países escandinavos.
Nos países do Leste Europeu, o pandemônio econômico e político esperado, sem o combustível russo, não se concretizou. A "arma de gás" russa, aparentemente, não existe. O resultado, na verdade, foi o fortalecimento da determinação desses países em buscar alternativas e manter o distanciamento da Rússia. Finlandeses e suecos devem seguir caminhos similares.
O pedido de adesão da Finlândia (confirmado no domingo, 15 de maio) e da Suécia enfrenta um obstáculo: a resistência do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, à entrada dos países nórdicos. O líder turco acusa os dois países-candidatos de abrigarem integrantes curdos do PKK, considerados terroristas pela Turquia.
Evidentemente, que essa postura pode ser uma moeda de troca para atender interesses turcos na região separatista curda - que abriga a maior etnia sem pátria do mundo - e angariar maior apoio às políticas adotadas contra essa população (que, geralmente, enfrenta grande resistência ocidental) e aquisição de armas, como os caças F-35, para o seu arsenal.
Poder para isso a Turquia possui, pois a aprovação depende do voto favorável dos trinta membros da OTAN, os integrantes têm poder de veto. Caso o líder turco não mude seu posicionamento, o desejo de alargamento está fadado ao abandono. Existe a possibilidade de a Croácia anunciar política semelhante, mas ainda é incerto.
Há informações de que a OTAN está caminhando em direção à Geórgia (ex-república soviética que enfrentou uma guerra coma Rússia, em 2008) e a sua inserção na aliança militar parece mais provável. Na Geórgia, a região autônoma da Ossétia do Sul anunciou a realização de um referendo para o dia 17 de julho, quando os ossétios deverão decidir se passam a integrar, oficialmente, à Rússia. Mais um cenário que aumenta a turbulência regional.
Todo o cenário que se constrói aumenta as chances de uma guerra total, com uso de armas nucleares russas. É notório, entre os especialistas, que a Rússia não tem chances de vitória contra a OTAN em uma guerra convencional. Não há condições de enfrentamento direto russo com trinta outros países. Dessa forma, o uso de armamento nuclear por parte da Rússia torna-se, infelizmente, mais provável e o pior, pode ocorrer a qualquer momento, se o avanço ocidental, via a OTAN, permanecer. O mundo não deveria esquecer Hiroshima e Nagasáki.
Putin errou a mão na estratégia adotada no dia 24 de fevereiro ao invadir a Ucrânia. Não avaliou, satisfatoriamente, seus inimigos. Potencializou o próprio poder, desconsiderando que, desde 2014, após a anexação da Crimeia, a Europa e o ocidente alteraram as estratégias de defesa. A estrutura desarticulada do Ocidente, desde a Era Bush, foi modificada e a OTAN, que jazia em seus problemas, ressuscita das cinzas, como fênix.
As relações de poder e temor regionais foram, gradativamente, se reestruturando para enfrentá-lo. Aparentemente, ele não viu. O preço pela cegueira pode ser caro demais. Putin quer possuir a Ucrânia. Pode ser que, no final, a Ucrânia o possua e a OTAN o engula.