Jornal Estado de Minas

GEOPOLÍTICA

Pelosi e a "ajuda militar" indireta à China

A visita de Nancy Pelosi a Taiwan, no último dia 3 de agosto, pode ter sido o argumento necessário para que a China realizasse os testes militares planejados há tempos, mas não havia uma justificativa para realizá-los. Pelosi pode ter dado "um presente" ao país. Se o objetivo era garantir uma Taiwan mais forte, esta certeza não foi alcançada.





A China deve regularizar a partir desse evento, as atividades militares ao longo do estreito que separa a ilha de Formosa da porção continental. A agilidade das ações militares chinesas indica que o país estava aguardando o momento ideal para que os testes fossem iniciados. Precisavam apenas do momento certo, sem causar incompreensões geoestratégicas externas. Foi o que Pelosi propiciou. 

A última vez que ocorreu uma tentativa de intimidação a Taiwan foi em 1995/96.  Nesse período, a China realizou testes com misseis, em águas circundantes à ilha, às vésperas das primeiras eleições presidenciais livres na região, esta considerada uma província rebelde chinesa.  Mas a rápida resposta de Bill Clinton (presidente dos Estados Unidos) com o envio do porta-aviões USS Nimitz para a região, acabou por interromper os testes. Com menor capacidade de ataque, naquele momento, a China recuou. 

A humilhação a que foi exposta nessa época deu o impulso necessário para os elevados investimentos do país no seu sistema de defesa.  Atualmente, a capacidade bélica chinesa é inquestionavelmente superior à do passado (em determinados setores acima da capacidade norte-americana). Mas não havia sido demonstrada em toda a sua pujança, apesar da presença chinesa mais regular e ostensiva nas águas e na Zona de Identificação Aérea (ADIZ), que margeiam a ilha de Formosa (onde está Taiwan), desde 2020. 





Os chineses precisavam de um cenário favorável à sua plena demonstração de força, sem grandes questionamentos internacionais. Pelosi garantiu esse cenário.  Os testes militares são valiosos e permitem à China aumentar a preparação e melhorar a atuação das forças marítimas e aéreas em futuras operações que envolvam as duas regiões. 

Isso amplia as chances chinesas de realizar incursões cada vez mais frequentes na ADIZ e aumentar as operações militares marítimas, fazendo desaparecer pouco a pouco a linha mediana, uma espécie de zona neutra não oficial entre as duas regiões, respeitada durante décadas, mas ignorada nas últimas semanas.

A política de Xi Jinping também foi beneficiada pela viagem da representante dos EUA à ilha. Xi busca seu terceiro mandato e apesar de as movimentações partidárias estarem aquecidas, nada indicava que o partido se reuniria antes de novembro para esse fim. O líder chinês pode antecipar a convocação do congresso, após o acirramento das tensões com a ilha. 





A visita inesperada da representante norte-americana acelera a realização desse congresso (previsto para setembro) e amplia vantagens do atual líder, com as prováveis nomeações para o Comitê Permanente do Politburo, algo que certamente, Pelosi não pretendia.  

O maior argumento para a antecipação é o econômico, mas as questões geopolíticas, sempre relevantes no atual governo, serão destaques.  Xi Jinping enfrentará durante o congresso alguns questionamentos em relação à economia, mas a questão de Taiwan pode amenizar as discussões sobre a estagnação econômica que o país enfrenta e abrir espaço para as questões militares, que o favorecem e o deixam mais livre para os desafios do terceiro mandato. 

As políticas de Xi, desde que se tornou o líder do Partido Comunista chinês (PCC), em 2012, colocam em evidência o "sonho chinês" defendido pelo mandatário.   Esse sonho corresponde à ideia associada de restaurar a grandeza nacional, perdida nas dinastias anteriores e tem origens antigas na história literária intelectual chinesa.

Isso implica uma China cada vez mais presente no cenário mundial. Um dos pilares desse projeto é o Belt and Road Iniciative (BRI), chamada de a nova Rota da Seda, que incomoda muito os poderosos ocidentais. 

O sonho chinês, entretanto, não abdica das boas relações com os EUA e não pretende causar grandes alterações na ordem internacional. A visita de Pelosi provocou um deslize nesse contexto e pode levar a um conflito entre dois gigantes, mesmo que nenhum dos envolvidos tenha manifestado, até o momento, interesse imediato nesta possibilidade.  

Mas se Xi Jinping usar as tensões com Taiwan para fortalecer seu poder pessoal, há o risco de ele emergir   do próximo Congresso do PCC endividado com as forças internas que são favoráveis ao confronto.  Assim, esse congresso antecipado pode ser um sinal para aqueles que se encontram fora da China abordarem Taiwan com mais zelo e cuidado. 





Um artigo publicado, em maio de 2021, no The Economist, aponta Taiwan como o lugar mais perigoso da terra, devido ao risco de uma guerra que pode envolver duas grandes potências econômicas e militares. 

A guerra seria uma catástrofe, não apenas por causa do derramamento de sangue em Taiwan-China (pelo risco da escalada do conflito entre duas grandes forças nucleares), mas também pelo terrível impacto econômico.  A ilha está no coração da indústria de semicondutores, com a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company, a TSMC, a fabricante de chips mais valiosa do mundo, localizada na ilha.   Se a produção da TSMC parasse, isso também aconteceria com a indústria eletrônica global, a um custo incalculável!  

O ideal seria que fossem encontradas formas razoáveis de resolver as diferenças, sem um enfrentamento armado direto. Há um antigo ditado segundo o qual  "quando dois grandes elefantes brigam, a formiga e a grama sofrem". Oxalá, isso não seja esquecido.