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Estado de Minas GEOPOLÍTICA

Mahsa Amini e o movimento Mulher, Vida e Liberdade no Irã

Após a morte de Mahsa Amina, protestos antivéu denunciam leis e costumes restritivos às mulheres e a dominação imposta pelos aiatolás à população


03/10/2022 07:39

Protesto em Paris reúne apoiadores da defesa das mulheres iranianas que lutam por liberdade
Protesto em Paris reúne apoiadores da defesa das mulheres iranianas que lutam por liberdade (foto: Thomas SAMSON / AFP)


No dia no dia 13 de setembro, Mahsa Amini viajava para Teerã, a capital do Irã, juntamente com a família. A jovem Mahsa, de 22 anos, era de origem curda-iraniana. Ela vestia o Hijab de forma inapropriada quando foi abordada pela polícia religiosa do país, responsável por aplicar um código de vestimenta exclusivamente para mulheres. 
 
Devido aos trajes inadequados, Mahsa foi presa, levada para um centro de “reeducação” islâmica estatal. Mas acabou hospitalizada com ferimentos na cabeça, provocados por espancamentos, enquanto estava sob custódia policial. Ela entra em coma e morre horas depois devido à violência a que foi exposta (a polícia nega essa responsabilidade).  

No dia seguinte ao seu enterro, milhares de mulheres em solidariedade a ela se filmam, removendo os seus véus e cortando os cabelos, ao redor de seu túmulo, na cidade curda de Saqqez, sua cidade natal.  O funeral desencadeou uma das maiores revoltas populares da história recente do Irã. 

Milhares foram às  ruas para fazer do nome de Jinna Amini (nome curdo de Mahsa) o símbolo da resistência à décadas de ditadura e repressão impostos à sociedade pelos clérigos islâmicos do país, que controlam o Irã desde a Revolução Islâmica, em 1979. 

A revolta popular conduzida, inicialmente, por mulheres, atingiu na sequência todas as categorias da população do Irã e   ganha repercussão mundial. As imagens das mulheres se rebelando contra o uso do Hijab, queimando seus véus, cortando as madeixas e da repressão a que todos estão expostos percorrem o mundo, desde então. 

Para controlar a difusão do movimento e das cenas de violência, o governo restringe o acesso à  internet. O Instagram e WhatsApp foram suspensos para evitar a propagação das imagens de horror que ocorre nas ruas de quase todo o país. 

O slogan curdo “jin, jiyan, azadi”,  que significa “mulher, vida e liberdade” foi transformada na hashtag que conecta ao movimento e ganha o cenário de apoio mundial.  Esse slogan nasceu em 2013, pelas mulheres curdas de Bakur, no norte do Curdistão (território de um possível país curdo). Foi inspirado em um de seus lideres, Obdullah Ocalan, fundador do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que se encontra preso.

Esse movimento ataca uma das bases da República Islâmica do Irã: a opressão aos curdos e às mulheres. 

Os curdos são a maior etnia apátrida do mundo, com mais de 30 milhões de representantes. Estão distribuídos pelos territórios da Turquia (onde são maioria), Síria, Iraque (onde usufruem de maior autonomia), Armênia (menor número) e Irã. Os curdos defendem a existência de um estado sustentado pela democracia, respeito ao meio ambiente e a garantia dos direitos femininos. Não são bem vindos nos países onde se encontram. São chamados de os “povos sem amigos “na região, pois ninguém os quer por perto. Professam o Islã sunita, mas na maior nação xiita do mundo, o Irã, essa condição os deixa mais vulneráveis. 

Por sua vez, os direitos das mulheres são catastróficos na realidade iraniana. As mulheres se tornaram os alvos preferenciais dos rigores das leis, impostos pelos tradicionais líderes teocráticos, que governam o país, desde 1979.  Há uma tênue possibilidade de os manifestantes criarem uma via de resistência que alcancem outros regimes repressivos na região. Em ano de Copa do Mundo, sediada no Catar, as chances desse cenário podem aumentam. 

O Aiatolá Khomeini, o líder religioso que assumiu o poder no Irã, emitiu uma Fatwa (pronunciamento), nos primeiros dias de governo, que definia os códigos de vestimenta religiosos obrigatórios para as mulheres. Em protesto, no dia 8 de março de 1979, milhares de pessoas foram às ruas para se opor a lei do Hijab forçado, mas a violência brutal a que foram recebido reprimiu a resistência. 

Amina representava os dois grupos que o regime exerceu de forma mais ativa seu poder e a opressão: os curdos e as mulheres.  Controlar os corpos das mulheres e impedir uma insurgência curda foram os alicerces do poder do país. 

Desde os primórdios da Revolução Islâmica, o controle das mulheres e de suas roupas tornou-se uma prioridade. O regime utilizou, incialmente, o controle sobre os corpos e as vidas das mulheres (que inclui sua sexualidade e as liberdades individuais) para privar, na sequência, todos os iranianos de seus direitos básicos.  

O Irã que surge da revolução foi remodelado para se colocar contra as mulheres. A polícia da moralidade atuava, mesmo antes de Amina, de forma infame, com práticas de violações de direitos humanos recorrentes contra o universo feminino. 

As mulheres, dentro do novo regime, deveriam ser reeducadas e doutrinadas para serem a “mulher muçulmana” ideal: uma mãe e esposa submissa ao homem e aos interesses do estado. Foram reduzidas à metade de um homem. Essa mentalidade, infelizmente, não é exclusiva dessa parte do mundo, é compartilhada por muitos no Ocidente, o que inclui o Brasil. 
 
Historicamente, os iranianos são um povo de luta. Precisam de algo ou por quem lutar. Ao que tudo indica, Mahsa deu a eles os motivos que faltavam para isso. Eles querem ser o Irã, mas não aquele país criado pela Revolução Islâmica.  As bravas e corajosas mulheres estão, literalmente, fazendo a "barba e cabelo" dos déspotas fundamentalistas, que se escondem atrás de uma polícia da moral e bons costumes sanguinária e repressiva. 

Mas, provavelmente, não será suficiente para criar uma conscientização do regime que controla esse país. O presidente Ebrahim Raïssi tem poderes quase absolutistas e possui uma enorme influência sobre o exército e a população rural, que é, numericamente, expressiva e mais conservadora que a população urbana. Isso dificulta a possibilidade de ruptura do status atual. 

Entretanto, as dezenas de mortos e centenas de presos não foram à luta em vão. Os protestos surpreenderam o regime que foi pego com as “calças na mão”. A polícia da moralidade é brutal no seu tratamento, um fato que é de amplo conhecimento dos líderes iranianos e tolerado por eles. As manifestações se tornaram o  maior desafio enfrentado pelo regime, há décadas.  

Apesar da repressão, a população continua nas ruas. Isso sinaliza que, sob o manto da normalidade que querem reestabelecer, existe uma raiva que aumenta continuamente. Essa raiva pode ser contida somente por um tempo, mas a coragem de um povo disposto a lutar por uma causa não se elimina. Os fundamentalistas devem sempre se lembrar disso. 

Somado aos movimentos que povoam as ruas, o Irã está sofrendo várias crises simultâneas: 

- ambiental, com uma severa falta de água,  que causou a seca do Lago Urmia e do rio que atravessa a belíssima cidade de Isfahan;
-  econômica, com 50% de inflação e preços de alimentos disparados;  
-  política, com povo exigindo mais direitos e democracia (agravada com a saúde frágil do Ayatolá Khamenei, o líder supremo);  
- cultural, com as exigências crescentes das gerações mais jovens que querem tocar música, dançar,  curtir a vida, inclusive em sua esfera privada.

É improvável que esta nova onda mude a mente dos aiatolás. A principal preocupação agora é desviar a atenção da grave crise econômica que assola o país. Os protestos podem criar a cortina de fumaça ideal para esse fim. 

A esse contexto, soma-se que, sem o apoio internacional, as chances de mudanças ficam mais distantes. O Ocidente está lento no seu posicionamento. Hoje, é urgente ressuscitar o acordo nuclear iraniano, principalmente, em um momento em que a  discussão  do uso das armas nucleares por Vladimir Putin e a aproximação da Rússia com Teerã ganha mais destaques nas mídias. Talvez seja mais estratégico, na visão dos falcões ocidentais, não contrariar o regime, que é capaz de qualquer coisa para permanecer no poder. 

As mulheres são um alvo fácil para as lideranças do país provarem sua força. O progresso técnico traz uma nova arma para a polícia da moralidade: o reconhecimento facial biométrico, que agora permite identificar todos os 'bandidos' para puni-los. É o ônus da modernização. Todavia, ninguém deve esquecer a coragem dessas mulheres, cuja vontade é quebrada todos os dias. Elas não querem somente reformas, querem a libertação. Não merecem ser esquecidas. 

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