Jornal Estado de Minas

GEOPOLÍTICA

Apertem os cintos: o ENEM está aterrissando e a geografia pede espaço


Neste fim de semana, começam as provas do ENEM. O primeiro dia de provas será dedicado às áreas das Ciências Humanas e suas Tecnologias, de Linguagens e redação.

Desde o início do novo modelo de Enem, baseado na Teoria de Resposta ao Item (TRI), a edição deste ano terá o menor número de inscritos: pouco mais de 3,5 milhões de candidatos. Poderia analisar a queda desses números comparados aos dos anos anteriores à pandemia, mas não é o objetivo.   

Nas salas de aulas, a ansiedade tenta sair vitoriosa, ignorando a dedicação aos estudos de toda uma vida, em especial, ao longo deste ano. A ordem dada aos alunos é de não conspirar contra si mesmos. Mas nem sempre tal fala resulta em muito sucesso. Cenas de lágrimas e abatimento não são raras. Deveriam ser evitadas, mas para que facilitar se há a possibilidade de complicar, não é? Creio que isso move a espécie em outros contextos da vida.





Por onde, então, começar a estudar? Bem, vamos lá. Comecemos pela cartografia, afinal precisamos nos orientar: Leste, Oeste, Norte e Sul. Todavia, nem sempre significaram só localização geográfica. Durante muitas décadas do século XX, o significado foi político-ideológico: Leste-Oeste dividiu o mundo em capitalistas e socialistas e o Norte-Sul simboliza os países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Mas só orientar não basta, precisamos ter localização precisa. As coordenadas geográficas, com os paralelos e meridianos definem as latitudes e longitudes, que cumprem esse papel. Em tempos de Copa do Mundo, fiquem atentos ao horário. O Brasil, a oeste do Meridiano de Greenwich, está atrasado em relação ao Catar. Precisamente, são  menos 6 horas. Então, se lá a partida ocorrer às 22 horas, aqui às 16 horas, o jogo será transmitido. 

O sol e a sua aparente trajetória determinam os equinócios (incidência solar perpendicular ao equador), com os dias e noites de igual duração. Ocorrendo em março e setembro, marcam o início das estações de outono e primavera no Hemisfério Sul, respectivamente (no Norte, inverte). Nos solstícios (incidência solar direta sobre um dos trópicos), a duração dos dias e das noites é desigual: no verão os dias são longos, mas nos invernos são encurtados. 





Não esqueçam que os mapas são objetos de poder. As projeções cartográficas, sejam cilíndricas, cônicas, azimutais (todas com as distorções de forma, área ou distância) serão usadas como uma demonstração hegemônica de um sobre o outro. Elas reproduzem a visão do mundo em cada momento. Foi assim que Mercator, conforme o eurocentrismo, fez “menores” os países tropicais comparados àqueles das faixas temperadas setentrionais. Peters não viu isso com bons olhos e tentou fazer tudo equivalente, mas o insucesso socioeconômico terceiro-mundista não deu a ele os devidos méritos. 

Nos dias atuais, privacidade não existe mais. Remotamente, todos são sensoriados a cada momento. Radares, satélites, GPS, redes sociais e algoritmos monitoram todos os passos dados. Pode significar mais segurança, mas certamente com menos liberdade. Não se pode ter tudo. 

É quase impossível medir as escalas de intromissão no dia a dia de cada um. Bem, cada um disponibiliza os dados pessoais sem muita pressão. As mídias sociais (Instagram Twitter, TikTok...) exercem um papel antagônico: são usadas para disseminar fake news e manipulação social, mas questionam regimes ditatoriais (nesse momento essas mídias são as primeiras a ser derrubadas). É a geração mais interconectada de todos os tempos, alimentada muitas vezes pela ansiedade e uma realidade distópica. 





Apesar de a cartografia colaborar com toda a geografia, a ciência geográfica não se resume a isso.  Os primórdios de tudo, de todos os estudos geográficos, surge com o Big Bang, a grande explosão original. Ao longo da história geológica, atravessando eons, eras, períodos e épocas, a Terra busca vida. Não é por acaso que “zoica” (vida) aparece em arqueozoico, proterozoico, paleozoico, mesozoico e cenozoico.  

O planeta incandescente resfria, e as primeiras massas continentais emergem, como uma espuma da Terra. Internamente, as correntes convectivas magmáticas da Astenosfera movimentam a superfície rígida da litosfera. Montanhas se erguem, vulcões expelem o magma das profundezas. Para aliviar as tensões, a estrutura estremece.  A tectônica de placas é o pulsar da Terra e alimenta as forças criadoras. 

Externamente, a água, a mais destrutiva força exógena do planeta, intemperiza as rochas, lixivia os solos, abastece os rios e lagos, preenche os subsolos e na forma de vapor se firma na atmosfera. Há de ter equilíbrio. Assim, a Terra foi esculpida para abrigar a vida. Essa é a sua busca. Lentamente, as primeiras formas microscópicas surgiram e evoluíram e, no último minuto, o homem se fez. 

A ironia é que a espécie humana insiste no desequilíbrio. Os homens ecocéticos, bradam que a Terra tem seu ritmo e independe da civilização para modificá-la. Todavia, pode-se conservar mais, já que preservar (deixar a natureza intocável) está distante da capacidade humana. Hoje, o planeta agoniza. Sua principal e mais evoluída forma de vida, a humana, o fere e não retribui, à altura, tudo o que foi feito para abrigá-lo.  

Nesse tabuleiro planetário, todos os aparatos tecnológicos humanos não os protegem das poderosas forças da natureza. Furacões, terremotos, tsunamis mostram o seu poder. O homem se faz pequeno diante desses eventos brutos. 





Umidade a calor redistribuem a flora e a fauna pelas latitudes e altitudes. Tundras, com musgos e liquens. Taigas homogêneas, com as coníferas aciculifoliadas e perenes. Florestas decíduas temperadas somam-se aos arbustos floridos e cheirosos do Mediterrâneo. Pradarias e estepes ocupam extensas planícies. As formações xerófilas, espinhentas e suculentas dos desertos subtropicais completam o espiral das formações vegetais temperadas e polares.

No Brasil, as florestas tropicais pluviais (Equatorial Amazônica e a Mata Atlântica) - ombrófilas, densas, latifoliadas perenifólias, de rica biodiversidade – se mesclam com os cerrados/savanas, campos, caatingas, araucárias e as formações ecótones (Mata de Cocais/Babaçuais, Pantanal, Manguezais etc.).

Toda a exuberância da vegetação se encontra comprometida pelo avanço das atividades humanas. Dos 25 hotspots da biodiversidade (biomas com mais de 1500 espécies endêmicas com severos riscos de extinção e com perda de mais de 70% da área) do mundo, dois estão no Brasil: a Mata Atlântica e o Cerrado.





As extensas bacias hidrográficas com seus rios caudalosos serpenteiam, com seus meandros, entre planaltos, planícies e depressões. Os trechos dos rios planálticos geram hidroeletricidade, a principal fonte de energia elétrica consumida no país. As eclusas eliminam desníveis e juntam-se aos rios aplainados para compor as vias navegáveis, ainda subutilizadas do território brasileiro. 

Os solos profundos, pobres em nutrientes, muitos com acidez elevada, respondem bem às correções realizadas. Afinal, “nesta Terra, em se plantando, tudo dá”. O agronegócio assume o campo, transformando-o em dos maiores celeiros de grãos mundiais. Como nada é perfeito, o ônus sobre o meio ambiente é um dos maiores objetos de temores e discussões. 

As estruturas cristalinas do Quadrilátero Ferrífero, da Serra dos Carajás e Urucum abrigam reservas minerais metálicas importantes para a economia nacional. As áreas de sedimentação da plataforma continental concentram amplas reservas de petróleo e gás natural, enquanto as reservas carboníferas (em geral, de menor qualidade) se estendem pelo Sul do país. 





Os corredores de exportação são dependentes de rodovias, inadequadas a um país com dimensão quase continental, como o Brasil. As ferrovias e hidrovias têm uma participação ainda tímida no escoamento dos principais produtos destinados ao mercado externo: as commodities agrícolas e minerais. A dependência do modelo rodoviário, os custos de frete, a elevada emissão de poluentes, alta sinistralidade (acidentes) e as péssimas condições das vias tornam o modal de transportes um dos gargalos da economia nacional. 

No mundo e no Brasil, a sociedade envelhece, gerando contradições de júbilo pela melhor qualidade de vida mas preocupações com a previdência social. Na África, a transição demográfica está em andamento. O continente deverá manter o ritmo de crescimento populacional global e no próximo século: aproximadamente, 4 bilhões de pessoas ocuparão o continente.    

Malthus, seus seguidores e as ameaças difundidas não se concretizaram. Mas há fome no mundo, mesmo com tantos alimentos produzidos. Do lado oposto, a obesidade se espalha assustadoramente, e com ela a saúde se torna mais comprometida. O alerta é global. Hoje 650 milhões de adultos são obesos e 1,8 bilhão estão acima do peso, incluindo 68% dos adultos nos Estados Unidos, o país mais afetado por esse fenômeno dentro da “OCDE, clube que reúne países ricos. a Organização Mundial da Saúde até cunhou um termo especial para essa epidemia Internacional: “globesidade”.  

As desigualdades sociais, em especial entre as nações mais pobres, ainda perdurarão. Uma consequência é a migração internacional. Na África, esse processo é maior entre os próprios países africanos. Menos pessoas vão em direção aos países mais ricos, pois esse processo é caro. 

É necessário distinguir os refugiados: esses são pessoas que fogem das perseguições (políticas, étnicas, religiosas...) que comprometem a própria vida. Para chamar a atenção para a problemática do meio ambiente, a ONU denomina todos que são afetados pelo agravamento do clima, da desertificação etc. de refugiados ambientais, números crescentes no mundo.  

A indústria 4.0 ou quarta revolução industrial é caracterizada pela elevada automação industrial dos processos de produção. Produz-se mais, mas se gera desemprego estrutural (crises econômicas resultam no desemprego conjuntural). Na luta pela sobrevivência e pela renda, a informalidade cresce nas nações pobres e ricas. A uberização é a bola da vez. É muito defendida entre os neoliberais, mas criticada entre os progressistas.  

A deseconomia de aglomeração ou a descentralização das indústrias altera o padrão de crescimento urbano. Em busca de ganhos econômicos, os setores produtivos se transferem para as cidades médias, com redes urbanas mais organizadas. Estas passam a atrair mais pessoas que querem conciliar trabalho e maior qualidade de vida. Como consequência, crescem mais e ocorre a desmetropolização. Quando se trata de urbanização, não confundam revitalização urbana com gentrificação, correspondente à tendência moderna de “aburguesamento” dos antigos bairros operários.  

E a geopolítica, professora? Oriente Médio sempre é foco. A questão entre árabes palestinos e judeus israelenses permanece como umas das tensões difíceis de eliminar. Na Síria, as consequências da Primavera Árabe mantêm as tensões em parte do país, especialmente no norte, onde há maior presença curda. Irã ganha o noticiário pelo programa de armamentos nucleares, combatido pelos EUA/Ocidente, e enfrenta o maior movimento popular desde a Revolução Islâmica, de 1979, que colocou os aiatolás no poder. O movimento feminino, após a morte violenta de Mahsa Amini, ganhou apoio de demais membros da sociedade e, apesar da truculência policial, o desejo por mais liberdade não foi revertido. 





Em Myanmar, os Rohingyas, a população apátrida, de origem bengalesa muçulmana, perseguidos pela maioria budista do país, continuam como um dos maiores grupos refugiados esquecidos pelo mundo. As disputas pelo Mar Meridional entre a China e países vizinhos, com a interferência dos EUA, geram constante inquietação, além das ameaças entre os chineses e taiwaneses envolvendo a histórica rivalidade pela Ilha de Formosa.  

Na mesma Ásia, atenção à Caxemira mulçumana, zona de disputa entre a Índia e o Paquistão. Há o retorno ao poder dos Talibãs, no Afeganistão, depois 20 anos de presença das tropas estadunidenses no país, cujo objetivo frustrado era eliminá-los, dentro da doutrina de combate ao terror instituído pelo Governo Bush, após os atentados de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas, em Nova York. 

Economicamente, o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) perde poder, mas o TICKS (Taiwan, Índia, China, Coreia do Sul e Cingapura) assume o posto de maior dinamismo da economia mundial. A China, além do mundo, amplia sua presença na África e a nova rota da seda, com o “Bel and Road Iniciative” (BRI), deixa bem enfurecidos os polos de decisão e poder mais antigos.  

ataque da Rússia à Ucrânia traz à tona as rivalidades históricas entre os dois países “irmãos” e coloca em evidência a bipolaridade político-ideológica pós Segunda Guerra Mundial. Os efeitos da guerra colocam em discussão as dependências energéticas e agrícolas na Europa e no mundo. 

A globalização econômica não resolveu as necessidades humanas. Poucos enriqueceram demais, muitos não participaram da prosperidade que era estimada décadas atrás. O homem desprovido de recursos e insatisfeito com o mundo ao entorno busca refúgios.  Talvez isso explique, em parte, o avanço da extrema-direita no mundo/Brasil e das religiões mais conservadoras. O individual está à frente do coletivo, e isso não é nada bom. O mundo pensado na fase aguda da pandemia da Covid-19 era para ser mais coeso e humanizado, mas, aparentemente, foi só uma utopia que se desfaz de forma gradativa. 

Você chegou até aqui? Obrigada, espero que tenha ajudado. Não vou me estender mais, senão escrevo um livro. Não é o objetivo. A Geografia é o estudo do espaço natural e do espaço geográfico (de forma simplificada, é aquele que foi modificado pelo homem). No findar, tudo se entrelaça. Este fim de semana começam a ser traçados os fios do seu futuro: que este seja promissor, com muito sucesso! Nós nos encontraremos por aí!