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Estado de Minas SUELI VASCONCELOS

A volta da energia nuclear?

Os argumentos em defesa do setor nuclear para garantir a segurança energética ficam cada vez mais fortes, apesar dos desafios que isso implica.


15/05/2023 06:00 - atualizado 15/05/2023 07:47
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Usina nuclear de Angra I e II
O Brasil faz parte do seleto grupo dos países que dominam a tecnologia de enriquecimento de urânio, com uma das tecnologias mais avançadas já desenvolvidas, mas a produção é insuficiente para as usinas de Angra dos Reis (foto: Carlos Hungria/CB)
Há muito a Europa busca alternativas para a sua matriz energética, principalmente, devido às ameaças ambientais de um futuro pouco promissor com a manutenção de fontes de energias dependente dos combustíveis fósseis. As políticas europeias no setor, tradicionalmente, são amparadas por um forte objetivo climático, postura que coloca em destaque a maioria dos países da antiga Europa Ocidental no desenvolvimento das fontes alternativas renováveis e a redução das matérias-primas que comprometam o clima.

Mas, apesar dos esforços, o continente permanece como grande consumidor das fontes clássicas esgotáveis de energia e a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, evidenciou essa forte dependência da União Europeia (UE) em relação aos fósseis, especialmente daqueles oriundos dos territórios russos e a sua vulnerabilidade no estratégico cenário energético.  

 

Nessa busca para garantir maior segurança de energia, alguns países da UE e outras nações, como o Japão (desde o acidente nuclear de Fukushima, em 2011, que o setor estava enfraquecido) sinalizam uma retomada dos investimentos no setor nuclear, após décadas de desestímulo a essa fonte. 

 

O conflito expôs a emergência de ações mais eficientes na geração de energia e mudanças no padrão de consumo. Para a maioria dos analistas, é imperativo a Europa inovar na segurança energética e consumir menos (a tarefa mais árdua). 

 

A guerra fortaleceu os ânimos dos defensores da eliminação da dependência russa e o retorno do setor nuclear. Como exemplo disso, a Bélgica, que previa sair dessa fonte de energia até 2025, voltou atrás na decisão com a ampliação de dois dos seus reatores.

 

Essas necessidades energéticas europeias colocaram as duas mitológicas e principais economias do bloco - Alemanha e França-, em lados opostos. A primeira, possui um Partido Verde forte, embasado em uma longa trajetória de defesa de fontes renováveis, mais sustentáveis de energia; a segunda, por sua vez, possui enorme dependência da fonte nuclear, não renovável, geradora de praticamente 80% da eletricidade consumida no país.  Anteriormente, buscava-se reduzir essa subordinação, com investimentos na diversificação da matriz energética francesa. 

 

A França, de Emmanuel Macron, muda a postura e torna-se a grande defensora da permanência e retomada atômica enfrentando a resistência das lideranças alemãs. Os germânicos apostam em completar a transição ecológica sem recorrer à energia atômica de baixo carbono. A prova disso é que a Alemanha desativou seus três últimos reatores nucleares há um mês. 

 

Todavia, a guerra da Ucrânia obrigou o país a intensificar o uso das fontes térmicas, colocando em risco seus objetivos climáticos, e a população alemã avalia, com certa preocupação, a decisão de abandonar o setor nuclear: 59% acreditam que essa é uma estratégia ruim. A influência dos “lobbies” fósseis, que espalham medo junto aos movimentos populares, para desacelerar os investimentos nas fontes renováveis pode explicar esses percentuais. 

 

Desde 2012, quando a ex-chanceler, Ângela Merkel, abandonou a energia fotovoltaica – considerada pelos seus apoiadores, ligados ao setor fóssil, na época, pouco atrativa – a indústria de painéis solares foi à falência. A primeira do ramo no mundo hoje é uma sombra do passado. Os chineses, sempre eles, por sua vez, visionários, enxergaram ali o futuro e hoje respondem por 98% da produção mundial dessa tecnologia. 

 

Os “macronistas”, defensores de uma “Europa atômica”, são representados por 11 dos 27 países do bloco, quase todos da antiga Europa Oriental. A Áustria (que nunca teve nenhuma usina do ramo), Suíça e Itália (que abandonou, em 1975, os investimentos nucleares) não se posicionaram de forma favorável ao retorno energético do átomo.   

 

O lixo nuclear é um dos principais argumentos contrários ao desenvolvimento da energia atômica, perigoso e alto custo de armazenamento hoje e para as gerações vindouras, mesmo que não sejam beneficiadas pela produção dessa energia.

 

Além dos riscos de acidentes, como ocorreu em Three Mile Island/EUA (1979), em Chernobyl/Ucrânia (1986) e Fukushima/Japão (2011), teme-se o agravamento da guerra e os riscos que envolvem a usina de Zaporizhzhya, a maior da Europa, que se encontra na área controlada pela Rússia, ao sul da Ucrânia e que se torna alvo constante de preocupações pelos bombardeios que ocorrem nas proximidades. A tentativa recente de criar uma zona desmilitarizada nas imediações da usina, proposta pela Agência Internacional de Energia Atômica/AIEA, foi frustrada. 

 

Globalmente, o átomo gera menos de 3% da energia consumida, mas desencadeia uma verdadeira onda de paixão por ser considerado uma fonte de energia limpa e com uma relação custo-benefício favorável do urânio, comparada aos fósseis. Uma reduzida quantidade de urânio é capaz de substituir toneladas de carvão mineral, altamente poluente. A política pró-nuclear se fortalece e balança nas velas da produção dessa energia como baixo emissor de CO2. 

 

Na Finlândia, um pouco na contramão das direções adotadas anteriormente no continente, inaugurou, recentemente, o reator Olkiluoto, o mais potente da Europa e irá produzir 15% da energia do país, o que reduzirá ou até eliminar a dependência da importação de energia pelos finlandeses. Segundo os técnicos e engenheiros, essa usina tem capacidade para abastecer 3,6 milhões de carros elétricos por ano. 

 

A França divulgou o lançamento de seis novas usinas, até 2035, mesmo que não seja tão lucrativo devido aos custos estratosféricos que envolvem essas obras. O país aposta também no hidrogênio como fonte futura, em expansão.  Mas os processos de produção de tal recurso são incertos e encontra-se na infância da tecnologia a ser implantada.  

 

Todas as propostas dos “macronistas” atenderiam às exigências para, até 2050, os países do G7 (EUA, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Canadá e Itália) alcançarem a neutralidade de carbono, bradam em uníssono.

 

Atualmente, a energia nuclear representa, aproximadamente, 10% da eletricidade global, com 422 reatores em 32 países. Os EUA são os líderes com 92 usinas, à frente da França (56), China (56) e Rússia (37), mas Beijing é quem mais aumenta sua capacidade, com 19 reatores sendo construídos.   

 

A Rússia, por sua vez, possui a maior capacidade de enriquecimento de urânio e construiu a maioria dos reatores fora do país, como na Hungria, através do gigantesco consórcio público, ROSATOM, o maior do mundo. O Brasil faz parte do seleto grupo dos países que dominam a tecnologia de enriquecimento de urânio, com uma das tecnologias mais avançadas já desenvolvidas, mas a produção é insuficiente para as usinas de Angra dos Reis, daí a parceria com a Rússia para suprir as necessidades nacionais. 

 

A expansão da força do átomo terá como consequência o aumento da dependência do urânio, encontrado naturalmente em minas espalhadas pelo mundo, como ocorre em Caetité, na Bahia (o Brasil possui a sexta maior reserva global). Hoje 45% da produção mundial é originada do Cazaquistão, 12% da Namíbia, 10% do Canadá, 9% da Austrália, 7% do Uzbequistão, 5% da Rússia e 5% do Níger. 

 

A verdade é que a Europa está dividida. Os defensores afirmam que emite menos CO2 que a fonte solar ou eólica, sendo fundamental para garantir a segurança energética e a neutralidade carbônica para os países europeus.  Os opositores rechaçam afirmando que a Europa é capaz de oferecer energia eólica, maremotriz, geotérmica, solar etc.  sem a necessidade de expansão de um setor de risco como nuclear.  

 

Nessa queda de braços, os responsáveis pelas políticas energéticas europeias incluíram também o hidrogênio, a partir da energia nuclear, como uma das fontes alternativas renováveis.  

 

Existe uma certa ironia nessa proposta atômica: a expansão da fabricação reatores depende das tecnologias russas e chinesas. Há uma dependência do enriquecimento, que na ordem de 50% da produção mundial, é dominado pela Rússia (o urânio enriquecido usado nas usinas franceses vem de lá). 

 

Se para os europeus é difícil hoje negociar com a Rússia e defendem a interrupção da compra do gás do país, ora, o mesmo deveria ser feito com o urânio. Mas as teias dos interesses econômicos são complexas e, quase sempre, arbitrárias. Do ponto de vista geoestratégico, é quase seis por meia-dúzia.  

 

Para o mundo, não somente para a Europa, há duas estratégias: reduzir o consumo ou produzir energia a partir dos desfossilizados. Entretanto, a redução exige tempo e desejo, o que é muito difícil.  Assim, retomar o caminho da energia nuclear é considerado mais fácil, apesar dos custos exorbitantes.  Como sempre, entre o caolho e o cego, fica-se com o caolho.

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