Estamos vivendo em um momento histórico marcado por valores regidos pela alta competição, o melhor desempenho e a dependência de uma avaliação positiva sempre. Tudo isso estimula a comparação com as demais e a deturpação da realidade. Temos a exigência social de sermos sempre fortes e capazes de superar todas as agruras que possam surgir. Um mundo idealizado na força, onde os fracos não têm voz.
As imagens das mídias sociais retratam a utopia dessa sociedade, que esconde suas fragilidades e o fato de que está deprimida, ansiosa e se sentindo cada vez mais solitária, mesmo que a humanidade permaneça em crescimento. Somos oito bilhões de pessoas e, ainda assim, a solidão é um mal que atinge a muitos.
O medo de expor as próprias limitações cria indivíduos inseguros e temerosos de serem vistos como incapazes. Sentimentos considerados totalmente humanos e importantes para o reconhecimento próprio são negados ou pouco vivenciados. A ausência de demonstração das fraquezas humanas explica parte das dificuldades que afetam a humanidade e está no berço das doenças modernas, muitas delas letais.
Hoje dizer o primeiro eu te amo, chamar para o primeiro encontro, iniciar algo sem garantias ou dar o primeiro passo gera dores extremas, pois são atos que criam inseguranças e barreiras às conexões com os outros. Uma das expressões de felicidade é estar conectado aos demais, mas isso esbarra no reconhecimento das debilidades que marcam o homem.
Não viver as próprias vulnerabilidades impede o crescimento pessoal e dificulta estabelecer a história de cada um nesta breve passagem chamada vida. As pessoas estão com vergonha de se mostrar como realmente são, como se isso fosse a sinalização de abandono no fundo do poço social e profissional. A vergonha de que se possa descobrir algo pessoal e que isso afastará os que estão próximos está criando uma horda de pessoas mais tristes e inseguras.
As fraquezas humanas foram anestesiadas, mas não há como fazer isso sem perder a ternura. Na confusão do entorpecimento da vulnerabilidade, o que era incerto tornou-se o certo. A religião passou de uma crença na fé e no mistério para a certeza: eu estou certo e você está errado, então cale-se. Quanto mais medo se tem, mais vulnerável fica o indivíduo. Tais comportamentos afetam até a política. Hoje não há menos discurso, há pouca conversa, há apenas a culpa e isso leva às guerras.
O importante é ter sucesso, nunca envelhecer (basta mirar os mirabolantes artifícios da eterna juventude) e ter disposição para sempre inovar e superar as falhas. Esses comportamentos são mais valorizados que gestos simples, como um sorriso (que evidencia as rugas), uma gentileza, um agradecimento,
A vida é uma grande coleta de dados pessoais. Esses dados constroem a trajetória de cada um e é a base de uma civilização ao longo do tempo. Negar as limitações individuais, de uma forma coletiva, pode criar, em um futuro não tão distante, uma sociedade fragmentada, inconclusiva e sem os pequenos e valorosos gestos que nos distinguem de todas as demais espécies deste planeta.
Alguém disse que, se você não pode medir algo, este algo não existe. Assim, ao não expor os pontos fracos e medi-los, não os reconhecemos e eles se tornam inexistentes. A vergonha de admitir essa peculiaridade está na raiz da falta de empatia e da ausência de conexão com os grupos circundantes. Os demais parecem fracos perante toda a opulência da capacidade desenvolvida, sem máculas.
As certezas criadas por esta sociedade pouco gentil impedem a afetividade e os diálogos sólidos, necessários às mudanças nas relações humanas. Na contramão, cria-se uma sociedade que faz julgamentos moralizantes sobre as pessoas que não correspondem aos próprios valores, e elabora comparações permanentes, desconsiderando as capacidades individuais e estabelece culpas alheias aos erros, transferindo as responsabilidades dos próprios atos.
A consequência de tudo isso é o crescimento do individualismo e de um grupo social pouco empático ao outro. As mudanças que se espera do mundo partem da microescala do indivíduo. Mas não há disposição para isso. Então o homem se curva ao desconforto do trabalho e de uma vida quase sempre bagunçada.
O que dá sentido à vida é a capacidade de conexão. As pessoas que têm amor e pertencimento acreditam merecê-lo e buscam por isso, sem medo de mostrar quem são, com seus méritos e imperfeições. Não anestesiam as vulnerabilidades. Vivem suas contradições, são corajosas, benevolentes e criam conexão com os demais. Geralmente, encontraram uma das raízes da felicidade.
Para isso é necessário coragem (uma palavra de origem latina que vem da raiz cor ou cordis, que significa coração). Coragem de contar a história de quem se é com todo o coração. Coragem de ser imperfeitas e capazes de ser gentis com elas mesmas e com os outros (só somos gentis com o próximo se nos tratarmos com gentileza).
As pessoas que abandonaram o que pensavam que deveriam ser para serem elas mesmas são mais conectadas, mais felizes e mais intensas, mas para isso a vida quer da gente é coragem, já dizia Guimarães Rosa.