Jornal Estado de Minas

VITALidade

Eternas saudades


Por:  Juraciara Vieira Cardoso

Hoje nossa coluna será um pouco diferente pois quero compartilhar uma experiência que vivi com um amigo nestes últimos tempos que me fez refletir muito sobre nossas relações com nossos pais e com outras pessoas idosas. Este amigo perdeu o pai e em nossas conversas pude perceber o tamanho da sua dor pela ausência daquele que foi para ele um verdadeiro exemplo de homem. Esse amigo é uma pessoa esclarecida e com uma vasta bagagem humanística e teórica, todavia, isto não foi suficiente para apaziguar sua imensa solidão pela ausência do pai.



Diversos de outras perdas que já presenciei e vivi, essa tinha algo raro de se ver: um amor realmente incondicional, no qual não havia dores ou dissabores a serem vencidos. Certamente aquele pai já deve ter dado boas broncas no filho e talvez até tenha sido ríspido em alguma ocasião, entretanto, o amor que ele sempre devotou ao filho e vice-versa não deixou nem fragmento de qualquer dor ou mágoa no momento da despedida. Decantada pelo tempo, a relação era de puro amor e admiração recíproca. 

Apesar de já casado e com dois filhos, esse amigo nunca deixou de lado sua relação com o pai. Eles iam aos jogos de futebol juntos, assistiam televisão, jogavam jogos – reais ou mentais -, filosofavam sobre a vida, sobre os familiares que já haviam partido e sobre os que estavam nascendo, conversavam trivialidades e, juntos, criaram uma relação digna de admiração por todos os que tiveram a chance de um dia vê-los juntos.

Durante a relação, eles tiveram a oportunidade de expressar suas memórias passadas, seus feitos, suas alegrias e suas tristezas, sempre com um ouvido amoroso e atento; e em troca receberam e ofertaram um tipo de amor capaz de fazer engrandecer até os mais incrédulos. Os ouvidos atentos e confortantes do filho sempre estiveram presentes na vida daquele pai que se foi, de modo que pouco há para chorar, a não ser a pura ausência daquele pai.





Eu sinto que a ausência é incômoda, não apenas da figura paterna, mas, também, do homem que o ensinou desde coisas simples até as mais complexas. Mesmo sem ter a bagagem acadêmica de seu filho, com ele dividia e partilhava a sabedoria acumulada por uma vida bem vivida. A saudade será tanto das boas conversas e das risadas quanto das memórias acumuladas durante a vida de ensinamentos e vivências da relação cotidiana.

Analisando todo esse luto e na tentativa de ajudar meu amigo, fui marcado pelo questionamento do motivo pelo qual todos os mais novos não veem tamanha sabedoria nos idosos. Me perguntei, também, o que foi feito por esse pai para que seu filho conseguisse compreender que é por meio da memória dos seus ancestrais que a história de sua família será contada. Cheguei a uma singela conclusão de que cabe aos mais novos ouvir os ensinamentos e aprender com aqueles que viveram a vida antes. E, como dizia Adélia Prado, a memória é contrária ao tempo, pois enquanto o tempo leva a vida embora, a memória traz de volta o que realmente importa.

Na memória não há passado, presente ou futuro, nela tudo se entrelaça e acontece concomitante. Ainda que as rugas tomem o rosto, para a memória seremos sempre jovens. E nada pode ser mais especial que a oportunidade de manter uma relação de amizade com um idoso, seja ele seu pai, seu amigo, seu vizinho ou até mesmo de alguém sem vínculo familiar. Estar ao lado de uma pessoa idosa é uma oportunidade de aprendizado e esperança, pois muitas das dúvidas que hoje nos assolam a cabeça poderiam ser muito bem solucionadas por um sábio conselho amoroso de alguém que já está no mundo há mais tempo que nós.





Devemos deixar de lado nossa infantil ideia de autossuficiência e aproveitar ao máximo a oportunidade de estar junto, abraçar, compartilhar e ouvir bons conselhos e ótimas histórias - as vezes sobre nós mesmos -, que nossos antepassados podem nos oferecer. Somos feitos de passado, presente e futuro e nada melhor que estar completamente apaziguados com o passado para fortalecer uma relação que é extremamente vantajosa para ambos.

Eu compreendo meu amigo: é difícil se despedir de um amor assim, sem mácula, sem passado a atormentar, sem más lembranças, pois o tempo a tudo cicatrizou, mas seria muito mais difícil a despedida se tivesse deixado para demonstrar seu amor por seu pai depois de sua passagem, se fosse torturado cada vez que pensasse nas visitas que não fez, nas saídas que não deu, nas conversas não compartilhadas, enfim, na vida que poderiam ter tido juntos, mas que as dores do passado não permitiram.

Quando nos permitimos nos desprender das máculas deixadas pelo passado e vivemos intensamente a vida ao lado de nossos idosos o que recebemos é de grande valor, pois não há nada mais grandioso que o amor dado, recebido e compartilhado, principalmente com nossos pais, amigos e familiares. São com os nossos antepassados que podemos viver um amor realizado e não sonhado, um amor de desafio, sem dúvidas, mas de capaz de nos trazer uma profunda conexão conosco. 





A grandiosidade da amizade entre uma pessoa mais jovem e uma mais velha deve ser percebida e vivenciada e, quando isto acontecer, já estaremos vivendo em um novo tipo de sociedade, na qual as gerações partilham suas ideias e se respeitam reciprocamente, onde as diferenças, as dores e os conflitos cederam lugar para o amor, a compaixão e o entendimento recíprocos.

Tudo isso me fez aprender várias lições e uma delas é que devemos aproveitar cada oportunidade de usufruir da companhia dos nossos pais e outros idosos que tem tanto a ensinar sobre o que realmente é importante nesta vida. Convivamos mais, abracemos mais, ouçamos mais, acolhamos mais, usufruamos mais e com certeza, mesmo assim, se a relação for saudável, sentiremos a dor da perda, porém teremos a certeza de que pudemos compartilhar muitos momentos com as pessoas que amamos. 

audima