(Por José Milton Cardoso Junior e Juraciara Vieira Cardoso)
Hoje vamos falar sobre a gratidão! Pode parecer descabido falar em gratidão em um momento tão conturbado e em uma coluna que, costumeiramente, a temática são os idosos. Mas não poderia haver maior conexão, pois é exatamente ao sermos gratos que poderemos alcançar um estado de felicidade genuíno. Com a idade, alguns de nós tende a carregar para si fardos pesados que, durante os anos, foram se acumulando em nossos ombros e acabamos nos esquecendo das boas obras que recebemos, dos atos de generosidade dos quais fomos beneficiários e, principalmente, das infinitas ações de cuidado e amor que recebemos gratuitamente todos os dias por parte daqueles que nos amam.
Em alguns momentos na velhice, o rancor e a raiva podem se somar e fazer com que o fardo que temos que carregar se mostre pesado demais. Ao invés de olharmos para o alto, nosso olhar pode se voltar para o chão, deixamos de olhar para a frente, para aquilo que o futuro nos reserva e nos contentamos com uma vida triste. Quando isto acontece, não é raro que o que nos falte seja a gratidão: pela vida que vivemos e pelos aprendizados que amealhamos em nossa jornada.
A gratidão pode não ser a virtude mais em voga e nem mesmo a mais elevada, entretanto, ela consegue transformar as nossas realidades de modo poético. Ela pode ser concebida como um prazer que prolonga o prazer, por uma alegria ou mérito alcançado. Ela é uma felicidade gratuita em razão de termos experimentado algo que fez bem ao nosso espírito. A gratidão nada tem a oferecer a não ser o prazer de ser recebida como algo valioso.
A gratidão é o eco de uma alegria gratuita que nos convida a olhar o mundo com olhos de encanto e curiosidade. Ela é avessa ao egoísmo. Enquanto o egoísta não consegue reconhecer que deve algo a uma outra pessoa, o grato não apenas reconhece tal conexão, mas se regozija com ela. O egoísta imagina que todos os seus feitos, obras e ações são fruto único e exclusivamente de sua boa fortuna, enquanto o grato sabe-se vulnerável e dependente dos outros.
O ingrato, ao invés de reconhecer a generosidade da dádiva recebida, atribui a si mesmo e aos seus talentos tudo o que alcançou. Com isto deixa de perceber que na gratidão há uma boa porção de humildade. Ao reconhecer que não sou a origem da minha alegria, passo a ser grato a quem tanto me deu e pouco ou nada pediu. A humildade está tanto em reconhecer o outro como causa da minha alegria, quanto em nos desvestirmos de nós mesmos para aceitarmos a generosa presença do outro em nossas vidas.
A gratidão traz em si traços de amor, de partilha, de dom e de generosidade. O ingrato não sabe disto e por isto não se dedica a agradecer. Ele vive encerrado em si mesmo e em suas falsas concepções sobre a sua própria existência, dando a si uma importância desmedida e aos outros quase nada. A ingratidão é a incapacidade de retribuir aquilo que nos foi feito com generosidade e que nos causou grande alegria e satisfação.
O amor e a gratidão têm profundas conexões, pois a quem mais podemos agradecer que não ao outro, a Deus, a natureza ou ao universo pela generosidade de um ato gratuito? Sim, a gratidão é gratuita, caso contrário haveria uma troca de favores, o que passa ao largo da virtude pretendida. Para Comte-Sponville, a gratidão é o zelo de amor pelo qual nos esforçamos para retribuir o bem que a nós foi feito, em virtude de um amor gratuito que nos foi ofertado. Há aqui uma passagem da gratidão afetiva para uma gratidão ativa, que é aquela advinda da alegria retribuída.
Há na gratidão um convite para reconhecermos a importância do outro em nossas vidas. Como dito, a gratidão também é amor, mas não um amor por si mesmo, mas pelo outro. Ela é o reconhecimento de que sozinhos não temos qualquer sentido ou direção.
Algo muito valioso pode ser percebido quando nos tornamos gratos pela vida que recebemos e desfrutamos: somos compelidos a revisitar nosso passado com um olhar mais generoso e amoroso. A gratidão nos impulsiona a desviarmos o olhar daquilo que nos sufoca, nos aprisiona e nos impede de seguir adiante, para fitarmos nas graças que recebemos ao longo da existência. Ao mudar o foco para a gratidão podemos experimentar uma nova forma de ser e estar no mundo, com mais compreensão, amor, generosidade e afeição por nós mesmos e pelos outros. Ela nos convida ao reconhecimento daquilo que nos aconteceu, a revisitarmos nossa história de forma amorosa e nos reconciliarmos também com as nossas dores, pois elas também são o resultado de quem somos hoje.
A vida fica mais doce e leve quando nos tornamos gratos: por nossa vida, saúde, família, amigos, bens materiais e imateriais, enfim, pela vida partilhada com generosidade ao lado daqueles que amamos. A alegria de saber-se amado pelos atos de generosidade que recebemos é também o reconhecimento de que no outro está uma das causas da minha alegria.
Sejamos alegres! Sejamos leves! Sejamos gratos!