Jornal Estado de Minas

VITALidade

O (ab)uso de medicamentos pela população idosa


Aqui jaz um homem rico
Nesta rica sepultura
Escapava da moléstia,
Se não morresse da cura.
Bocage

O processo de envelhecimento, mais acentuado no decorrer do século XX, alterou progressivamente o perfil demográfico da nossa população, já que com menores índices de natalidade e mortalidade por doenças infecciosas houve um aumento na expectativa de vida dos brasileiros, porém, inexoravelmente, tal situação traz consigo a chance de que várias doenças crônicas e degenerativas tenham tempo de se manifestar. É muito comum que os octogenários tenham quatro ou mais doenças, tais como hipertensão arterial, diabetes, demência, incontinência urinária, déficits cognitivos, com comprometimento da memória e outras atividades cerebrais, além das alterações osteoarticulares (artrite, artrose), das doenças pulmonares obstrutivas crônicas, dentre inúmeras outras doenças. Esta situação pode acabar obrigando que as pessoas idosas usem mais os serviços de saúde e que ingiram também uma maior quantidade de medicamentos.





Quanto maior o número de fármacos prescritos e o número de doenças, maior é o incremento do risco de uso inadequado e desnecessário de medicamentos que, somados às alterações nos órgãos do idoso, próprias do envelhecimento, podem causar mais danos que benefícios. Alguns idosos usam muitos medicamentos e estão sujeitos às reações adversas destes. Mesmo medicamentos ditos como caseiros ou "chás", podem ocasionar prejuízo ao seu usuário. Como exemplo, citamos o uso de Erva de São João, que altera a coagulabilidade sanguínea, podendo aumentar o risco de sangramento. Este é apenas um exemplo dos medicamentos ditos como receita da vovó. Trazem também preocupação os suplementos fitoterápicos e dietéticos, como Ginseng, Ginko Biloba e Glucosamina, cujo consumo tem aumentado em níveis alarmantes.

Um estudo conduzido pelo pesquisador Rozenfield, demonstrou que no Brasil a prevalência da polifarmácia (uso de vários medicamentos) atinge mais de um quarto dos idosos, sendo mais frequentes no sexo feminino, com idade igual ou maior de 75 anos e que possuem plano de saúde.

A maior preocupação é o uso indiscriminado daqueles medicamentos que tem ação sobre o sistema nervoso central, conhecidas como substâncias psicoativas, tais como como os ansiolíticos, os antidepressivos, os antiparkinsonianos, os antiepilépticos, dentre outros. Tais entidades terapêuticas podem predispor à redução significativa da cognição e alterações comportamentais, além de incrementar em muito o risco de quedas, portanto, devem ser utilizados com muita parcimônia na população idosa.





Vários outros medicamentos, considerados de uso comum, podem levar a reações adversas, tal como o uso exagerado de anti-hipertensivos, que pode conduzir à uma hipotensão arterial (pressão baixa), além de elevar o risco de quedas.

Os médicos que trabalham no cuidado de idosos tem familiaridade com uma listagem de fármacos, denominada Critérios de Beers, que é a lista de medicamentos de uso inapropriado ou de uso com cautela para tratamento dos idosos. Tal lista é revista periodicamente e é um excelente meio para orientar os médicos sobre os riscos no uso de determinados medicamentos para a população idosa. Esta listagem tem respeitabilidade mundial e deve ser sempre consultada com objetivo de reduzir o risco de efeitos colaterais de medicamentos em tal população.

Complica-se ainda mais este contexto que os idosos, principalmente os mais fragilizados, possuem médicos de várias especialidades, que muitas vezes não conversam entre si, cada um prescrevendo uma série de medicamentos que, somados às prescrições de outros médicos, se convertem em muitos remédios e, consequentemente, riscos. É necessário que o idoso tenha seu médico gerenciador, geralmente um Geriatra que, comunicando-se com as outras especialidades, poderá oferecer uma prescrição racional para o idoso.





É preciso ficarmos muito atentos, pois atualmente ainda estamos sujeitos à famosa "empurroterapia", que por meio de campanhas publicitárias, estímulo dos balconistas à venderam cada vez mais medicamentos desnecessários, pressão da indústria farmacêutica e os modismos impostos pelos canais de internet, agravam ainda mais um quadro que já é extremamente preocupante. Devemos sempre ficar alertas sobre remédios que nos são prescritos: para que eles servem, quais as interações com outros medicamentos e, principalmente, se este medicamento é realmente necessário.

Fazer uso de vários medicamentos não é um erro, o erro é fazer uso de medicamentos que interagem entre si e trazem mais prejuízo que benefício, o que caracteriza uma situação de Iatrogenia, que deve ser evitada. Uma abordagem criteriosa dos medicamentos utilizados, com monitoramento destes idosos que se utilizam destas entidades farmacológicas é mandatória no cuidado à saúde dos idosos.

Idosos não são apenas adultos que envelheceram. Idosos tem seu metabolismo muito individualizado e heterogêneo, de modo que as prescrições devem ser individualizadas, de acordo com a necessidade de cada um e que contenha o menor número possível de medicamentos, com facilidade na forma de utilização e que sejam racionalmente corretos em sua prescrição.





Fiquemos alertas: medicamentos são drogas e como drogas devem ser adequadamente utilizados. Fazem muito bem quando adequadamente prescritos e podem trazer grandes malefícios, se prescritos de forma irracional. Mas lembremos que não são somente os medicamentos prescritos por médicos que podem trazer complicações, pois a automedicação é um risco ainda maior e, no caso do idoso, aumentado em razão dos medicamentos que já necessita ingerir diariamente.

Em caso de dúvidas sobre a medicação que está tomando ou pretende tomar é recomendado que o idoso procure seu médico de confiança para discussão. Questione quais as indicações e as reações adversas de cada medicação. Pergunte se a associação de um medicamento com outro pode trazer prejuízo e, principalmente, quais os cuidados devem ser tomados conforme o uso de determinada classe de medicamentos. Previna-se antes de necessitar tratar doenças. Utilize-se dos avanços evidentes da medicina, porém tente várias formas de tratamento, inclusive não farmacológicas, para combater os seus males e incômodos. Procure viver muito, não só em número de anos vividos, mas busque sempre dar muita qualidade aos anos que viver.

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