Semana passada nos chocou a cena de um senhor de 80 anos na Ucrânia que se alistou para servir seu país contra o exército russo. O fato foi noticiado pela digital influencer ucraniana Kateryna Yuschenco, que afirmou que o idoso, ao se alistar, disse que o fazia pelos netos. O nome dele não foi revelado, mas isto não é o mais importante, e sim sua resignação, força e coragem para enfrentar a segunda guerra em uma única vida.
Sonhávamos com um mundo conectado, plugado, interligado e sem fronteiras. E isto nos parecia até possível, principalmente após a Segunda Grande Guerra Mundial, com a Declaração Universal de Direitos Humanos, que em 1945 teve seu espectro de influência profundamente modificado, se tornando uma Carta de Direitos da Humanidade.
Parecia-nos que a paz perpétua sonhada por Kant estava próxima às nossas janelas, com a ampliação cada vez maior dos canais de comunicação entre os países e com a criação da Organização das Nações Unidas para intermediar eventuais conflitos.
Por mais estranho que possa parecer para os mais pessimistas, estávamos em um mundo em evolução, capaz de usar o diálogo para se aproximar ao invés das armas para se afastar, mas os ataques da Rússia a uma nação livre e soberana, na semana passada, nos mostraram o quanto podemos involuir como seres humanos em apenas um instante.
De 1945 em diante houve guerras isoladas, mas não imaginávamos como possível uma guerra que tivesse por finalidade destituir do poder um cidadão democraticamente eleito e apoiado pela maioria do seu povo. Era inimaginável para nós, idealistas e libertários, que em pleno século XXI, depois de toda o horror que experimentamos na Segunda Guerra, que um presidente pouco democrático invadisse um outro país, a fim de evitar a influência europeia em sua região.
Diante da civilização, a barbárie voltou a tomar corpo e o Ocidente perplexo assiste de modo atônito a destruição da Ucrânia e de seu povo. Provavelmente, os países aliados até gostariam de ajudar mais, mas temem que seu auxílio possa deflagrar a Terceira Guerra Mundial e com consequências nefastas, pois a Rússia é uma das maiores potências nucleares do planeta.
O resultado são os já inúmeros mortos que a guerra provocou e os milhares de cidadãos deixando seu país rumo ao desconhecido. Todo o fruto do trabalho de uma vida, de uma hora para outra, deve ser abandonado em nome da sobrevivência. Não faltam relatos de filhos que precisaram deixar os pais para fugir da guerra. Mulheres que, com seus filhos no colo, caminham por mais de seis horas para chegar até a fronteira. Tudo isto enquanto bombas são jogadas ininterruptamente sobre suas cabeças.
Diante do horror, nos vem à cabeça a situação dos idosos, principalmente dos mais frágeis, nas situações de guerra. Muitos deles não aguentam andar por horas a fio, pernoitar no tempo ou viver em condições inadequadas para sua saúde, pois precisam de cuidados especiais. Com o desabastecimento, comum nas guerras, não faltam apenas mantimentos, mas também os remédios, sem os quais sua saúde se fragiliza ainda mais.
Não bastasse, os idosos na guerra ainda precisam conviver com o medo e com a solidão. A solidão, decorrente da ausência dos parentes que tiveram que deixar o país e viver no exílio. E o medo de terem sua pátria vilipendiada por estrangeiros, enquanto seus filhos morrem nos campos de batalha.
Gostaríamos de finalizar sendo otimistas diante do absurdo e falarmos das lindas ações humanitárias, vindas de diversas partes da Europa, em apoio ao povo ucraniano. Mas não, hoje não há espaço para comemorações ou apelos dramáticos, ficou em nós apenas a sensação de que algo muito valioso nos foi tirado... Como ficarão nossos sonhos, feitos para serem sonhados juntos, e um mundo compartilhado?