Na semana passada, o filho do ator e galã do cinema Europeu nos anos 60 e 70, Alain Delon, afirmou que o pai havia solicitado seu auxílio para praticar suicídio assistido na Suíça, país em que vive atualmente e no qual a prática é permitida.
O suicídio assistido ocorre quando uma terceira pessoa auxilia outra a retirar sua própria vida. No Brasil a prática é considerada crime, prevista no artigo 122, do Código Penal Brasileiro.
A decisão do ator não aconteceu de uma hora para outra; o galã, hoje com 86 anos, afirmou em uma entrevista em 2010, para a TV5 Monde, que a decisão por 'escolher' o momento da morte dele era resultado de um raciocínio lógico pois, segundo Delon, quando se chega a uma certa idade e não se tem o desejo de permanecer vivo à custas de aparelhos, injeções e internações hospitalares, não há outra solução que não a de decidir pelo término da existência.
Não pretendemos fazer qualquer juízo de valor sobre a decisão do artista, uma vez que, pelo menos ao que parece, ele se encontra lúcido e plenamente capaz de tomar suas decisões, de modo que resta somente a ele decidir autonomamente sobre os rumos de sua existência. O que pretendemos questionar é se existe mesmo um tempo em que a idade torna a vida tão insuportável que não nos é mais possível viver, senão com muita dor e sofrimento ou se podem existir maneiras de ressignificar o ato de envelhecer.
Nas sociedades do ‘espetáculo”, o envelhecimento está intimamente ligado à ideia de mortalidade, o que faz com que escrever, pensar ou falar sobre a morte seja visto pelos demais como desagradável. Em um mundo no qual o sujeito deve consumir, não se deve perder tempo pensando na própria finitude e, consequentemente, na responsabilidade pela construção de uma vida boa para si e no auxílio para o próximo.
Essa perniciosa relação que foi feita entre o processo de amadurecimento e a morte faz com que muitos idosos passem a representar seu próprio envelhecimento apenas na perspectiva das perdas que acontecem ao longo do caminho, ignorando aquilo que aprenderam com sua história e dos ganhos que o avançar da idade traz consigo.
De acordo com os filósofos Heidegger e Kierkegaard, a morte é parte da existência humana e, uma vez admitida essa certeza, o ser humano conseguirá alcançar uma vida mais plena pois, ao ser colocado frente à sua própria finitude, o sujeito tem condições de compreender sua responsabilidade na construção de si mesmo e no auxílio que deve aos demais. É de Heidegger a ideia de que o ser humano pensa na morte na perspectiva do “se”, quando deveria representá-la na perspectiva do ‘quando’.
Como não somos preparados para pensar em nossa própria extinção e no tempo limitado que temos para a realização de nossos objetivos, quando a idade começa a nos tirar vitalidade, disposição, forma física, beleza e saúde, podemos cair na tentação de pensar que a vida deixou de fazer sentido e que não vale mais a pena ser vivida.
No entanto, insistimos que ela vale, mesmo com as perdas e sofrimentos que o processo de amadurecimento traz consigo, pois a verdade é que não há uma única doutrina filosófica, psicológica, teleológica ou moral que não chegue a uma conclusão idêntica: o ser humano sofre! Sofre em decorrência das vicissitudes próprias do fato de ter um corpo - dor, enfermidade, degeneração -; e das relativas à sua psique - tristeza, angústia, melancolia ou desamparo.
As perdas experimentadas no processo de envelhecimento – e elas são muitas – podem ser razão para nossa infelicidade, se nos apegamos demasiadamente a elas, ou podem ser uma espécie de libertação, na medida em que aprendemos que não precisamos nos encaixar a padrões que nunca nos caíram bem.
Nossas sociedades necessitam urgentemente ressignificar o ato de envelhecer, a fim de que, ao alcançarmos certa idade, não nos sintamos alijados da nossa própria existência e, consequentemente, tenhamos vontade de partir, ainda que antes da hora. Muitas vezes nossos velhos são abrigados em instituições de longa permanência (antigamente chamadas de asilo) ou confinados no quarto dos fundos da casa dos filhos, para que não perturbem os demais com suas rugas, suas histórias e, principalmente, com seu corpo frágil, a nos lembrar a todo instante que também somos fadados à extinção e que, portanto, temos tempo limitado para construir nossa trajetória nesse mundo.
Sobre a pergunta que abriu a coluna da semana: se há um tempo para partir ou se há um tempo em que a dor e o sofrimento ocasionados pelas perdas que acompanham o processo de envelhecer podem tornar a vida tão insuportável a ponto de acharmos que ela não vale mais a pena ser vivida, nós (in)felizmente não temos a resposta. Mas uma coisa podemos afirmar sem medo: gastar tempo pensando em nossa própria finitude, fazendo da ideia da morte uma conselheira sábia para a existência, bem como ressignificar o ato de envelhecer, podem ser importantes instrumentos a nos ajudar na manutenção do nosso prazer de estar vivo.