Jornal Estado de Minas

COMPORTAMENTO

Saber envelhecer...

Uma vez Rubem Alves, filósofo e intelectual brasileiro, escreveu que há velhos que sabem envelhecer e outros que, infelizmente, não sabem. Em relação aos primeiros, dizia o autor, seus olhos se tornam ternos, temos prazer em sua companhia e estar ao seu lado é fonte de constante aprendizado e amor. Já os segundos, se tornam ranzinzas e incapazes de enxergar o lado bom da vida, o que faz com que sua presença seja constantemente fruto de conflito e evitação por parte dos demais.






Outro dia tive o prazer de encontrar Dona Cleusa, e é incrível como uma pessoa pode transformar o nosso dia bastando que, para isto, estejamos abertos para estabelecermos uma comunicação sincera. Eu não estava em um dia propício para aprender pois, em razão de uns problemas, naquele momento, estava enxergando a vida em tons cinzas, para dizer o mínimo. No entanto, essa mulher, com seu jeito doce e sutil de penetrar nas almas humanas, me deu muitas aulas de sabedoria, não apenas por seus conselhos, mas por toda a sua história de vida.

Eu acredito que Rubem Alves diria que Dona Cleusa é uma dessas pessoas que souberam envelhecer. Com sua figura sorridente e amistosa, ela nos abraça com apenas um olhar. Ela é incapaz de fazer uma crítica que não tenha como pano de fundo um ensinamento e, acima de tudo, ela sempre tem um lado positivo para mostrar, ainda que nosso relato seja catastrófico. 

Nunca a vi reclamar da sorte, e olha que a sua não foi tão boa assim. Não estudou até mais que o antigo primeiro grau, casou-se, separou-se, criou os filhos sozinha e com recursos escassos. Apesar de ser uma das filhas mais velhas, já perdeu quase todos os irmãos e aos poucos vê os amigos também partirem, e isto sem queixas ou lágrimas, ao contrário, sempre nos relata como tem sido uma pessoa abençoada. 





Para termos uma ideia da sabedoria desta mulher, ao perder seu irmão mais novo, que tinha problemas mentais e já contava com 68 anos, não praguejou, chorou ou se desesperou, ao contrário, se dizia grata por ele ter partido antes dela, pois se fosse o contrário não haveria quem a substituísse em seus cuidados. Quem diante da morte de um irmão pode agradecer? Pois ela agradeceu!

Sobre dia em que a encontrei, diante da minha ansiedade e insegurança, me olhou com o olhar mais doce do mundo, me abraçou e disse que não me preocupasse com meus problemas, pois, ao final de um mês eles estariam menores, ao final de um ano, menores ainda, e, possivelmente, ao final de cinco anos, eu nem me lembraria mais deles. Na hora que ouvi o conselho me senti aliviada pois, por mais óbvio que isto possa parecer, quando estamos vivenciando uma situação difícil, podemos mesmo não ver o óbvio. 

Com seus conselhos "óbvios" e sua capacidade ímpar de enxergar a vida, ela espalha amor, generosidade e compreensão por onde quer que passe. Ao invés de ficar reclamando da vida que não viveu, das perdas que necessariamente acontecem ao longo da caminhada ou da angústia pelos sonhos não realizados, Dona Cleusa sorri afetuosamente para o mundo que a cerca e, genuinamente. E em troca, Dona Cleusa nunca precisou de terapia, não toma remédio para depressão ou ansiedade e não tem nenhuma das doenças consideradas corriqueiras para a sua idade, e olha que ela já tem 72 anos!

Em situações nas quais a maioria de nós reclamaria, praguejaria ou se desorientaria, ela enxerga uma oportunidade de aprendizado e crescimento. A gratidão que esta mulher tem diante da vida parece vinda de algum lugar que nós, seres humanos comuns, não temos acesso. Ela realmente consegue extrair graça de qualquer desgraça que tenha vivido ou que lhe narram, e sempre acolhe, com seus olhos ternos, suas palavras sábias e seu coração imenso, cada uma das pessoas que aparecem à sua volta.

Depois do nosso último encontro fiquei me questionando qual seria o segredo de Dona Cleusa para tanta vitalidade e capacidade de resignação diante da vida? Por que é tão gostoso e especial estar ao seu lado? Certamente que eu não saberia responder esta pergunta, e, talvez, nem mesmo Dona Cleusa saiba colocar em palavras o seu modo singular de enxergar a vida. Mas, sem sombra de dúvidas, parte dele é sua capacidade de agradecer o que tem, de não se amargurar com aquilo que lhe faltou e, principalmente, de se manter otimista diante da realidade. 

Ao contrário do que pensam as sociedades consumistas e ligadas a padrões estéticos irreais, saber envelhecer não é se tornar um idoso sarado ou com a pele extremamente bem cuidada, saber envelhecer é, antes de tudo, a capacidade de nos posicionar positivamente diante da existência e, ainda que tenhamos muito a reclamar, saber sorrir diante do absurdo, nas palavras de Camus, que é a vida.