Começo dizendo que não estou aqui para julgar quem quer que seja, e muito menos a vida que qualquer pessoa escolheu ter, mas recebi uma inesperada herança e deveria estar feliz com isto, mas, sinceramente, não estou, pois ela me trouxe questionamentos profundos sobre a existência e sobre o risco que é deixarmos de analisar a vida como um todo, nos focando em apenas um ponto. Não se trata de dinheiro capaz de mudar a vida de ninguém, diga-se de passagem, mas de uma quantidade de dinheiro que sinto que eu não deveria estar gastando, mas sim sua proprietária anterior.
Não tive muito contato com ela durante toda a vida e as poucas recordações que tenho são de quando eu era criança e do fascínio que eu sentia diante dela: uma mulher linda, cheia de talentos e com um ar de nobreza que, em meus devaneios infantis, a fazia parecer uma rainha. Suas unhas eram sempre enormes e muito bem pintadas de vermelho; ela não andava, mas flanava entre nós, os mortais, que ficavam perplexos diante da sua capacidade de encher qualquer ambiente com sua presença marcante e com seu olhar perscrutador.
Se vestia com uma simplicidade elegante, o que nos deixava ver que nela existia vaidade e desejo de aparentar a melhor versão de si mesma. Se mirássemos bem, era possível ver nela uma vontade implícita de poder ser quem era e de auto afirmar como pessoa. Contam na família que ela era homossexual, mas nunca assumiu tal condição, assim como nunca assumiu que seu dinheiro deveria ser usado para a satisfação das suas necessidades, básicas ou não!
Não me lembro de ter ouvido falar dela viajando para o exterior – e até mesmo para o Brasil - ou comprando objetos de desejo, ainda que os desejos fossem os seus. Nunca saia para jantar ou comemorar seus aniversários. Sempre austera e econômica, guardou boa parte do que amealhou durante a vida comprando imóveis ou aplicando na poupança.
Com o avançar da idade é normal que nos preocupemos com nossos gastos, já que o dinheiro se torna mais escasso e os custos aumentam consideravelmente. Entretanto, precisamos ficar atentos que existem modos diversos de guardar o patrimônio que se tem: de um lado, ou usamos ele para a manutenção do nosso bem-estar e das pessoas que nos são próximas, caso seja este nosso desejo, ou, então, acumulamos de modo enérgico, temendo passar necessidades no futuro. A diferença de um e outro modo está na presença do medo a direcionar a conduta. Não defendemos que devemos abandonar o medo e gastar tudo o que temos, claro que não! Devemos sim guardar nossos bens, desde que saibamos que o dinheiro serve ao nosso bem-estar e não necessariamente para se tornar herança.
O que me incomoda na herança que recebi é que ela é oriunda dessa mulher complexa, plural e a frente do seu tempo, mas que, por questões que eu desconheço, não fez mais na vida que trabalhar e amealhar patrimônio para ser dividido entre sobrinhos com os quais pouco ou nada conviveu.
Cada vez que penso em gastar parte do que recebi imagino como seria se ela mesma tivesse feito isto pois, afinal, o patrimônio é fruto do esforço dela e não meu! Sabe o que dói? A viagem que ela não fez, as roupas que a deixariam ainda mais elegante e ela não comprou e até mesmo os encontros que ela poderia ter tido, caso se dispusesse a sair de casa e deixasse de ver a vida pela janela, tudo pelo temor de não ter dinheiro para a manutenção da velhice.
O que me incomoda foi a vida que ela não viveu em nome de juntar um patrimônio que não seria destinado aos seus descendentes ou ascendentes, pois os primeiros ela não teve e os segundos já estão falecidos há tempos. O que me incomoda é perceber que podemos passar muito tempo por aqui, como ela passou, e, de fato, não perceber que o dinheiro deve ser nosso escravo e não o contrário. O que me incomodou foi perceber que é possível que passemos uma vida inteira a juntar patrimônio e esqueçamos do principal: viver a vida e ser feliz!
Obviamente que gastarei o dinheiro que ganhei de herança, mas considero que a maior herança que recebi da minha tia não foi a material, mas sim a espiritual. Sua morte me ensinou que nosso prazo de validade nessa terra é pequeno e que devemos sempre buscar o melhor para nós mesmos e, principalmente, sermos quem somos. Me mostrou que guardar o que nos é necessário para ter uma velhice confortável é recomendável, mas deixar que o temor de passar necessidades na velhice nos impeça de viver nossas vidas com conforto e qualidade de vida é uma loucura sem medida.
Já que a morte é certa e o futuro não, desejo que usemos o dinheiro que ganharmos de modo responsável, mas também prazeroso; que entendamos que acima de tudo, o dinheiro é meio para termos uma existência mais satisfatória e feliz, nunca um fim em si mesmo.
Não tive muito contato com ela durante toda a vida e as poucas recordações que tenho são de quando eu era criança e do fascínio que eu sentia diante dela: uma mulher linda, cheia de talentos e com um ar de nobreza que, em meus devaneios infantis, a fazia parecer uma rainha. Suas unhas eram sempre enormes e muito bem pintadas de vermelho; ela não andava, mas flanava entre nós, os mortais, que ficavam perplexos diante da sua capacidade de encher qualquer ambiente com sua presença marcante e com seu olhar perscrutador.
Se vestia com uma simplicidade elegante, o que nos deixava ver que nela existia vaidade e desejo de aparentar a melhor versão de si mesma. Se mirássemos bem, era possível ver nela uma vontade implícita de poder ser quem era e de auto afirmar como pessoa. Contam na família que ela era homossexual, mas nunca assumiu tal condição, assim como nunca assumiu que seu dinheiro deveria ser usado para a satisfação das suas necessidades, básicas ou não!
Não me lembro de ter ouvido falar dela viajando para o exterior – e até mesmo para o Brasil - ou comprando objetos de desejo, ainda que os desejos fossem os seus. Nunca saia para jantar ou comemorar seus aniversários. Sempre austera e econômica, guardou boa parte do que amealhou durante a vida comprando imóveis ou aplicando na poupança.
Com o avançar da idade é normal que nos preocupemos com nossos gastos, já que o dinheiro se torna mais escasso e os custos aumentam consideravelmente. Entretanto, precisamos ficar atentos que existem modos diversos de guardar o patrimônio que se tem: de um lado, ou usamos ele para a manutenção do nosso bem-estar e das pessoas que nos são próximas, caso seja este nosso desejo, ou, então, acumulamos de modo enérgico, temendo passar necessidades no futuro. A diferença de um e outro modo está na presença do medo a direcionar a conduta. Não defendemos que devemos abandonar o medo e gastar tudo o que temos, claro que não! Devemos sim guardar nossos bens, desde que saibamos que o dinheiro serve ao nosso bem-estar e não necessariamente para se tornar herança.
O que me incomoda na herança que recebi é que ela é oriunda dessa mulher complexa, plural e a frente do seu tempo, mas que, por questões que eu desconheço, não fez mais na vida que trabalhar e amealhar patrimônio para ser dividido entre sobrinhos com os quais pouco ou nada conviveu.
Cada vez que penso em gastar parte do que recebi imagino como seria se ela mesma tivesse feito isto pois, afinal, o patrimônio é fruto do esforço dela e não meu! Sabe o que dói? A viagem que ela não fez, as roupas que a deixariam ainda mais elegante e ela não comprou e até mesmo os encontros que ela poderia ter tido, caso se dispusesse a sair de casa e deixasse de ver a vida pela janela, tudo pelo temor de não ter dinheiro para a manutenção da velhice.
O que me incomoda foi a vida que ela não viveu em nome de juntar um patrimônio que não seria destinado aos seus descendentes ou ascendentes, pois os primeiros ela não teve e os segundos já estão falecidos há tempos. O que me incomoda é perceber que podemos passar muito tempo por aqui, como ela passou, e, de fato, não perceber que o dinheiro deve ser nosso escravo e não o contrário. O que me incomodou foi perceber que é possível que passemos uma vida inteira a juntar patrimônio e esqueçamos do principal: viver a vida e ser feliz!
Obviamente que gastarei o dinheiro que ganhei de herança, mas considero que a maior herança que recebi da minha tia não foi a material, mas sim a espiritual. Sua morte me ensinou que nosso prazo de validade nessa terra é pequeno e que devemos sempre buscar o melhor para nós mesmos e, principalmente, sermos quem somos. Me mostrou que guardar o que nos é necessário para ter uma velhice confortável é recomendável, mas deixar que o temor de passar necessidades na velhice nos impeça de viver nossas vidas com conforto e qualidade de vida é uma loucura sem medida.
Já que a morte é certa e o futuro não, desejo que usemos o dinheiro que ganharmos de modo responsável, mas também prazeroso; que entendamos que acima de tudo, o dinheiro é meio para termos uma existência mais satisfatória e feliz, nunca um fim em si mesmo.