Jornal Estado de Minas

VITALidade

O idoso que mora só: o outro lado



O Brasil é um país em desenvolvimento e que nas últimas décadas tem apresentado um vertiginoso crescimento da população idosa. Atualmente, quase 15% dos brasileiros já contam com mais de 60 anos de idade. Com esta modificação na estrutura etária brasileira, muitas alterações sociais estão sendo vivenciadas, tais como declínio da natalidade e o prolongamento da expectativa de vida, além da mudança do perfil de morbimortalidade dos brasileiros. 





E a estrutura dos lares brasileiros também vem sofrendo importantes transformações nos últimos anos, como, por exemplo, a redução da capacidade de suporte familiar e social aos idosos que, por opção ou não, passaram a viver só. Muitas são as causas para que os idosos morem sozinhos, tais como a perda do cônjuge, mudança dos filhos, falecimento de parentes próximos, ou mesmo mais desejo de autonomia. 

Dados publicados no estudo Saúde, Bem-estar e Envelhecimento evidenciam que, na cidade de São Paulo, a quarta maior cidade do planeta, 15% dos idosos residem só, sendo que mais de 16.000 deles têm mais de 90 anos de idade. 

A condição de viver só traz benefícios, não há dúvidas de que o idoso ganha em autonomia e capacidade de gerir a própria vida. Porém, o viver só pode trazer consigo uma sensação de solidão, abandono e que, acompanhados dos transtornos de humor e depressão, tão comuns na maturidade, podem representar uma carga muito pesada a ser suportada pelo idoso.





Como muitas vezes os familiares e o serviço público de saúde não apresentam condições mínimas para cuidar destes indivíduos, conforme é preconizado na Política Nacional do Idoso e no Estatuto do Idoso, esse sujeito pode tornar-se mais vulnerável ainda às dificuldades sociais, econômicas, de acesso à saúde, de deslocamentos e dos cuidados básicos, já que grande parte tem uma ou mais doenças. 

Os idosos em geral, e os que moram sozinhos, podem apresentar quadros de hipertensão arterial, doenças articulares e diabetes, muitos deles fazendo uso de vários medicamentos. E relatam dificuldades para realizar atividades básicas da vida diária, tais como as tarefas domésticas, alimentação, higiene, mobilidade.

Os relatos mostram que muitas vezes esses idosos são assistidos por vizinhos, voluntários, agentes de saúde ou assistentes sociais. Com tantas dificuldades e limitações, que muitas vezes são evidenciadas ainda mais pelo ato de viver só, o que percebemos é que, na maioria dos casos, o viver só não é uma opção do idoso, mas sim ausência dela.





Mas para aqueles que moram só e o fazem por opção, infelizmente a ignorância, o preconceito e o desconhecimento sobre o processo de envelhecimento podem acabar reforçando a ideia de que idosos devem ficar trancados em casa porque é mais seguro. Tal ideia equivocada pode trazer ainda maiores dificuldades de relacionamento intergeracional e incompreensão das dificuldades enfrentadas pelo idoso, muitas vezes doente, que reside só. 

Ter a noção de pertencimento, ser importante e significativo para alguém, poder contar com apoio e solidariedade de outras pessoas, dá sensação de segurança e permite que o idoso tenha apoio social em casos de necessidades. A ausência deste suporte social apresenta-se como mais um problema a ser enfrentado pela pessoa idosa.

Além da estruturação do Estado no cuidado com o idoso, cabe também a nós, membros da sociedade, ter iniciativas que permitam uma melhor qualidade de vida dos nossos antepassados, tais como acessá-los através de aplicativos de conversas escritas e de vídeo. 





É importante doarmos parte do nosso tempo para honrar nossos idosos, solicitando que eles nos contem histórias, declamem poemas, cantem músicas de sua preferência ou mesmo nos façam orações: reconhecer a vulnerabilidade da pessoa idosa e a auxiliar é um modo de reconhecer em nós a beleza da vida.

Não nos esqueçamos: os velhos de amanhã seremos nós. Quanto mais lutarmos agora pela manutenção da qualidade de vida na velhice, quando ela chegar para nós, maiores serão as conquistas e o bem-estar de viver que teremos.

Parafraseando Simone de Beauvoir, em seu belíssimo livro A velhice, se quisermos assumir a nossa condição humana na totalidade, para começar, não podemos mais aceitar com indiferença a infelicidade da idade avançada, mas devemos sentir que isto é algo que nos diz respeito.