Jornal Estado de Minas

VITALidade

O valor da amizade

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Mais um ano se findou e com isto somos convidados a refletir sobre aquilo que realmente é importante em nossas vidas: o que de fato é essencial e faz com que a vida valha a pena e o que não passa de excessos com os quais fomos acostumados, mas sem entender bem a razão pela qual estão em nossas vidas. Algumas vezes, olhar a vida dos outros pode ser um importante instrumento para analisarmos a nossa própria vida e nossas escolhas. 




 
Dentre as muitas confraternizações de final de ano que fui convidada, uma me deixou profundamente tocada. Era uma reunião de seletos colegas de faculdade do meu marido, todos na faixa dos cinquenta anos. Digo seleto, pois, dos mais de cento e cinquenta formandos, apenas sete estavam presentes. Dos sete, cinco são amigos desde os onze anos de idade e os dois que se juntaram depois, na época da faculdade, se uniram ao grupo inicial e formaram um conjunto harmônico e digno de admiração.
 
Aquela reunião foi uma oportunidade para aquelas pessoas verem de frente o seu passado e, ao mesmo tempo, uma ode ao tempo e àquilo que verdadeiramente importa de ser preservado em uma vida. Como bailarinos de um corpo de balé, que entendem a responsabilidade de todos no bem-estar de cada um, aquelas pessoas verdadeiramente valorizam umas as outras e entendem o presente de estarem juntas por quase toda a existência.
 
Não percebi entre eles qualquer disputa ou necessidade de aparecer mais que o outro, tão comum em grupos assim formados. Ao contrário, eles me pareceram fraternos e solidários, até mesmo na hora de contar as antigas histórias dos tempos passados. Eles me pareceram muito à vontade uns com os outros e era possível ver a satisfação e a alegria daquelas pessoas por estarem simplesmente umas junto das outras. Olhando para eles entendi verdadeiramente que a amizade é uma dádiva, mas uma amizade duradoura, que nos coloca em conexão com nosso passado, é pura graça. 




 
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Para Aristóteles, sem a amizade a vida seria um erro. Segundo entende o autor, a amizade é o caminho possível para a felicidade, ela seria um refúgio contra a infelicidade. Não precisamos ter dúvidas que manter relações fortes de amizade é condição para a felicidade, já que elas são úteis, agradáveis, boas e desejáveis apenas pelo que são e não por nossas projeções a respeito delas. Elas são presentes e confirmam nossa experiência relacional, tornando nossas existências mais alegres e repletas de sensações íntimas e de vida partilhada.
 
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De acordo com Comte-Sponville o amor-paixão é falta e tem na incompletude o seu destino. Ele é como um desejo que, por sua própria natureza, é fadado a não ter aquilo que deseja, permanecendo privado, ainda que alcance seu objeto.
 
Longe de ser o amor saciado que sonhamos ele é solitário e sempre inquieto com o que ama. Pode ser compreendido como aquilo que vulgarmente se denomina paixão, que é sempre esfomeada e torturante, podendo enlouquecer o dilacerar o sujeito. Assim concebido, não há possibilidade de amor feliz nessa espécie. O amor-paixão é egoísta, um egoísmo descentrado e dilacerado, repleto de ausências e do vazio de seu objeto. Eros aqui é compreendido como o mais violento dos amores, o mais abundante em sofrimento, fracasso, ilusões e desilusões.




 
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Ao contrário do amor-paixão, repleto de falta, angústia, ciúme ou sofrimento, pelo menos na maioria dos casos, a amizade é uma espécie e amor-alegria, na medida em que é recíproco ou pode vir a sê-lo. Na amizade o que vemos é a vida partilhada, mas sem o peso e as cobranças da paixão. Enquanto a paixão é violenta, a amizade é capaz de regozijar-se com a presença e com a vida do outro, compreendido enquanto outro e não como uma projeção dos nossos desejos.  Muitos conhecem esta espécie de relação como amor Philila ou amor-amizade.
 
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Graças aos nossos amigos, não estamos condenados a desejar apenas o objeto que não temos, como no amor erótico. Muito menos nos contentar com as glórias pelas obras que fazemos e não com a obra em si. Também não precisamos sempre estar a desejar a vida que não temos. Ao contrário de Eros, que deseja a posse, o amor-alegria, presente na amizade, nos orienta para relações para além do imaginário, que vivem daquilo que é real e que, por isto mesmo, nos servem de norte, orientação e apoio ao longo da vida.