Jornal Estado de Minas

VITALidade

Missão: alegria em tempos difíceis

Rubem Alves dizia que há pessoas que envelhecem e ficam feias; já outras, segundo o autor, ao envelhecerem, se tornam mais belas que nunca. A diferença entre elas está no modo como esses velhos encaram os desafios da vida. A fim de mostrar o quanto Rubem Alves estava correto em sua observação, nesta semana vamos indicar um documentário, que está na plataforma Netflix, chamado “Missão: alegria em tempos difíceis”.





O documentário, gravado em 2015, é um misto de ensinamentos profundos sobre a existência, com um apanhado sobre os acontecimentos históricos que cercaram a vida dos protagonistas. De um lado está o Dalai-Lama, hoje com 87 anos, que viveu no exílio por quase toda sua existência depois que a China ocupou o Tibet, seu país, em 1959. E de outro, está Desmond Tutu, Arcebispo da África do Sul na época do Apartheid, falecido em 2021 aos 90 anos.

Ambos foram ganhadores do prêmio Nobel da Paz por seus esforços para que o mundo visse a realidade de seus povos, mas isso não é o que mais chama atenção no documentário. O mais interessante é perceber a maneira amorosa com que eles chamaram a atenção do mundo para as duras realidades enfrentadas por sua gente e pela maneira alegre com que narram suas impressões sobre a existência.

Em tempos de acirramento político, no qual assistimos até mesmo um certo clamor pela luta armada, pelo ódio e pela cisão entre pessoas, o documentário é um convite ao diálogo, tanto entre povos quanto entre gerações. Como dois velhos amigos, que de fato eram, os interlocutores discorrem sobre como manter a alegria em meio ao sofrimento e à injustiça, que ainda insistem em assolar o mundo e as existências individuais. 





Há alguns momentos marcantes, por exemplo, quando eles debatem sobre a efemeridade da vida e nossa responsabilidade na construção da nossa própria história. Para eles, tendo em vista que a vida é só por um prazo determinado, nós temos a obrigação de torná-la repleta de significado, exercendo compaixão para com o próximo.

Muito emocionante também é o momento em que o Dalai-Lama recebe a hóstia das mãos de Desmond Tutu. Tem uma história que diz que uma vez perguntado sobre qual era a melhor religião para se alcançar o nirvana, o Dalai-Lama respondeu que não existia melhor religião, pois todos estavam procurando a mesma coisa, e o melhor caminho era aquele em que a pessoa se sentisse mais confortável. Isso dá uma mostra do espírito aberto para lidar com a diferença, tão necessária em épocas conflituosas como a nossa.

Não poderíamos deixar de comentar o conselho do Dalai-Lama para a condução das nossas vidas, que pode ser assim traduzido: emoções ruins fazem mal e emoções boas fazem bem. Tal conselho recebeu uma importante intervenção de Desmond Tutu, que, mais antenado à nossa humanidade do que em nossa santidade, diz que está tudo bem se em dada situação nos fixarmos nas emoções ruins, pois elas também fazem parte da nossa existência, e o que não podemos é transformar nossas vidas nelas. 





Por fim, os interlocutores nos chamam a atenção para nossa vulnerabilidade essencial. Segundo eles, todos nós sentimos medo, dor e tristeza, e é parte do nosso dever enquanto pessoas sociais nos reconectar à nossa humanidade. Repetindo o famoso oráculo de Delfos, concluem que é dever do ser humano conhecer a si mesmo, ao outro, para, quem sabe assim, se reconectar com o mundo.

O documentário é uma ode ao amor e à esperança, e, longe de ser difícil de compreender o enredo, os interlocutores conversam de maneira alegre e despretensiosa, de modo que qualquer um consegue se aproximar das inúmeras mensagens que há no documentário. Há um momento em que Desmond Tutu se autoproclama “prisioneiro da esperança”. Com seu sorriso franco e largo, aquele homem, já em processo de morte (eis que o câncer de próstata o estava consumindo há anos), nos enche de alegria e vontade de estar vivo e, ao mesmo tempo, nos mostra a responsabilidade que temos na construção da nossa própria história, tudo de modo amoroso.

Eu, que nunca tive avós sábios para me aconselhar, apesar de secretamente sempre ter nutrido tal desejo, vi no documentário uma oportunidade de aprender com dois homens já idosos, mestres espirituais elevados e repletos de sabedoria e conhecimento para serem partilhados. Sabe aquela beleza que Rubem Alves falava que alguns velhos têm? E que fica mais bela na medida em que conversamos? Se você quiser saber realmente o significado disto, não deixe de assistir o documentário Missão: alegria em tempos difíceis.