Jornal Estado de Minas

VITALidade

Ofensa não é liberdade de expressão

Na semana passada a atriz Suzana Vieira completou 80 anos de vida, repleta de saúde, e deu uma entrevista na qual afirmou que quando os internautas querem ofender a chamam de “velha escrota” ou perguntam se ela ainda morreu. A atriz, no seu constante bom humor, afirmou levar os comentários numa boa, já que ela não se sentia velha.





No entanto, quando entrevistada no ano de 2015, por ocasião do lançamento do musical Barbaridade, no qual encenava uma personagem que vivia em busca da juventude eterna, a mesma atriz afirmou que o maior xingamento que poderiam lhe dirigir era lhe chamar de velha, chegando a afirmar que era como ser chamada de vagabunda ou ladra.

Estas duas formas tão dispares de se deparar com a realidade pode ser resultado do amadurecimento. Quem sabe seja uma comprovação de que o passar dos anos nos traz um melhor discernimento do que realmente pode nos afetar e do que conseguimos deixar para trás. As ofensas, na maioria da vezes, somente nos dói quando nós nos sentimos machucados com elas. A medida que envelhecemos, parece que o que antes tinha tanto peso, hoje já não alui em nada os nossos sentimentos. É uma libertação.

Porém, ainda que as pessoas levem bem uma ofensa, o que anteriormente foi relatado nos impõe a necessidade de nos questionarmos em qual tipo de sociedade estamos vivendo: quando foi que dirigir ofensas a alguém em razão da idade se tornou algo corriqueiro e aceitável? Em qual conceito de liberdade de expressão estamos nos filiando quando admitimos que não precisa haver responsabilização dos agentes que usam a internet para ofender, propagar mentiras e disseminar o ódio?

No mundo no qual nascemos, ainda sem computador ou internet, seria impensável que alguém dirigisse a um desconhecido tais espécies de ofensas. Que a atriz não se sinta velha é um direito dela, mas ainda que ela se sentisse uma senhora de oitenta anos e fosse portadora de patologias inerentes da idade, não acredito que alguém teria o direito e a desfaçatez de lhe ofender em razão de sua idade biológica, afinal, envelhecer, ao contrário de ser algo a se envergonhar, é uma grande conquista que merece ser comemorada, admirada, enaltecida e não ser encarada como algo demeritório.





A Constituição brasileira de 1988 afirma que a manifestação de pensamento é um direito fundamental, todavia, é vedado o anonimato e isto ocorre exatamente porque há outro direito fundamental no qual é assegurado direito de resposta e indenização por dano material, moral ou à imagem daquele que for ofendido por terceiros “manifestando” seu pensamento. Expressar posicionamentos é direito fundamental, mas exige o cumprimento de regras e tem limites. Pode ser feito, desde que o autor da manifestação assuma e se identifique pelo que explanou com seu posicionamento perante determinado assunto.

Algumas pessoas se sentem livres e acreditam plenamente na impunidade quando estão atrás de uma tela de computador, seguras para publicar excrecências, diferentemente de como seria se estivessem cara a cara com aquela ou aquele que que deseja ofender. Não é comum ver pessoas ofendendo desconhecidos na rua em razão de alguma característica pessoal.

A disseminação de ofensas na internet é um problema que precisa ser enfrentado com urgência e sabedoria pelo Estado brasileiro. Não se trata de criar uma espécie de censura, não mesmo, pois já vimos que isto não funciona. Mas, quem sabe, seria o caso de impedir que perfis fossem criados sem que se identifique o verdadeiro usuário, exigindo-se e certificando-se de que aquele que emite um determinado posicionamento seja individualizado e responsabilizado em caso de cometimento de ilícito.





Não é objetivo deste pequeno fragmento de reflexão tentar encontrar a melhor solução para extirpar desse novo mundo virtual que a internet criou aqueles que acreditam que podem disseminar notícias falsas, ofender pessoas e saírem impunes da barbárie que perpetram. Nosso objetivo é chamar a reflexão, pois somos um país em franco envelhecimento, que precisa respeitar seus idosos, além de inúmeras outras minorias, focos principais destas manifestações de ódio e reiterados desrespeito às pessoas.

Pode ser que entre a entrevista de 2015 e a 2023 a atriz tenha amadurecido, mas nossa intuição é que ela apenas criou casca. Certamente, de tanto ser ofendida, precisou criar uma couraça para não deixar que as ofensas que recebia diuturnamente, a maltratasse o espírito, mas a verdade é que ninguém gostaria de ser perguntado a razão pela qual ainda não morreu. É cruel, é duro, é inumano e precisamos urgentemente responsabilizar quem acredita que em nome da liberdade de expressão pode dizer o que bem entender e ferir as pessoas.