Jornal Estado de Minas

VITALIDADE

Envelhecendo juntos, nos tornamos amigos

  • No amor entre casais há dois tempos: o tempo do amor-paixão e o tempo do amor-amizade. E não necessariamente um seguirá o outro, já que, como diria o poeta, se apaixonar é para qualquer pessoa, mas amar, isto já não é dado a qualquer um. A paixão do início da relação é alimentada pela ausência do outro, pela sede constante, pelo desejo desenfreado e pela projeção do outro, numa espécie de jogo que não dá muito trabalho, pois já estamos rendidos antes mesmo dele começar. Já o amor-amizade vive da presença do outro, da sensatez, da realidade vivida e não projetada e demanda trabalho.





Com o passar dos anos, os relacionamentos entre os casais podem seguir vários caminhos, e todos somos testemunhas de relacionamentos longos de espécies variadas: os casais que ficam em silêncio, os casais animados, os casais ranzinzas, os casais que se tornaram avós, enfim, não faltariam exemplos. Talvez o que mais chame atenção seja o casal longevo que verdadeiramente se tornou amigo com o passar dos anos. Aquela espécie de cumplicidade em que um nem precisa mais conversar com o outro para entender exatamente o que se está pensando. Os anos os fizeram cúmplices, e aprenderam a se amparar mutuamente de modo gentil e leve. Estão envelhecendo juntos e gostam da experiência.

Haveria algum segredo? Talvez exista um mistério, e ele não diz respeito a um ato isolado de um ou de outro para manter a harmonia na relação. É mais provável que ele se refira ao modo como esse casal foi compreendendo as mudanças que o amor invariavelmente sofre ao longo do tempo e foram se adequando a elas.

É provável que tais casais já tenham deixado para trás o tempo da paixão e aprenderam a amar. O tórrido sentimento cedeu espaço para a cumplicidade. Talvez - seja certo - tenham compreendido que estar apaixonado não carecia de qualquer ação, mas que amar era exigente e dependia de ações rotineiras, ações estas que eles não deixaram de fazer ao longo dos anos. Eles não tiveram medo de deixar para trás o amor sonhado e aprenderam a construir no dia a dia o amor realizado. 





Amigos que se tornaram, provavelmente partilham lembranças dos longos anos de convivência juntos, dividem projetos, sonhos, esperanças, viagens e futuro. A convivência entre eles se tornou um espaço para a verdade, para a vida dividida, para a exaltação recíproca, enfim, para a felicidade - a felicidade possível fora dos ciclos intermináveis e tormentosos da paixão.

A maturidade mostrou para esse casal que a carne pode ser muito triste quando só se ama a ela. Portanto, o sexo entre eles, apesar de menos intenso que nos tempos de paixão, conduz hoje a uma espécie de ascendência que une prazer e amor em um só instante. Pelos anos de convivência, conhecem como ninguém como funciona a sexualidade do outro e usam isso para se instigarem mutuamente, fazendo com que o desejo nunca deixe de existir.

Souberam deixar de lado o amor-falta que a paixão conduz e aprenderam a partilhar uma espécie de amor-alegria, alicerçada pela certeza da reciprocidade do amor e, consequentemente, da força da união que têm. Não permitem que as dores do passado comandem a vida presente. Regozijam-se um com a existência do outro e aprenderam a se não cobrarem demais pelas imperfeições - comum em qualquer um da espécie humana. Aprenderam a se divertir juntos, a sofrer juntos e sabem ser o porto-seguro um do outro, sem cobranças ou demasiadas insatisfações.





Aprenderam a ser gratos pelos bons e maus momentos que viveram e têm a certeza de que a fortaleza da união é fruto de ambos. Eles souberam deixar o príncipe encantado e a princesa sonhados irem embora para ceder lugar aos seres reais da relação. Souberam trocar as ansiedades da paixão pela doçura do amor-amizade, que, se não dá frio na barriga, oferece uma saída para a paixão que, de outro modo, terminaria de qualquer modo.

O diferencial de tais casais longevos em relação aos demais é que eles sabem que foi pelo amor-paixão que a história deles começou, mas não deixaram de trabalhar nem um dia sequer na construção de algo que pudesse transcendê-lo. Para isso, construíram uma espécie de amor cúmplice, amigo e capaz de fazer sonhar até o mais cético dos mortais.