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Estado de Minas VITALIDADE

As universitárias de Bauru

O absurdo não são as universitárias de Bauru, elas só são a ponta de um iceberg de uma sociedade preconceituosa e etarista


13/03/2023 06:00

Estudantes ironizaram colega por causa de sua idade
Estudantes ironizaram colega por causa de sua idade (foto: Twitter/Reprodução)
Ao discorrer sobre se era ou não possível considerar os dons naturais como dotados de algum valor moral, Kant respondeu negativamente. Assim considerando, e na boa companhia do filósofo de Königsberg, não podemos arrogantemente acreditar que, por hoje sermos jovens, bonitos e inteligentes, que são atributos naturais, para os quais não nos foi necessário nenhum esforço pessoal, somos seres humanos melhores que os demais.
 
Durante o final de semana a internet se movimentou com um vídeo de três universitárias da cidade de Bauru debochando de uma recém ingressa para o Curso de Biomedicina, que contava com quarentas anos de idade. No vídeo, uma delas perguntava como se fazia para desmatricular a colega, outra afirmava que ela já deveria estar aposentada, uma outra determinava que ela não teria mais idade para estar na Universidade e outra arrematava afirmando que ela, a mulher de quarenta anos, nem mesmo sabia o que era o Google. O tom pretensioso e arrogante das jovens mostrava claramente que no mundo criado por elas só cabiam os muito jovens, como se isto fosse um critério de pertencimento para ser aceito no mundo acadêmico.
 
Se pararmos para refletir, muitas vezes o que move as ações de preconceito é exatamente o fato de os agressores terem a certeza, ainda que fictícia, de que nunca ocuparão o lugar hoje ocupado pelo ofendido. Não respeitam aquilo que é diferente e, portanto, por razões que somente a psicologia pode começar a esboçar, não nutrem simpatia por aquilo que nunca, em suas cabeças, se tornarão.
 
No entanto, com o preconceito proveniente da idade tal situação não se mostra na prática, já que os ofensores de hoje serão, necessariamente, salvo em caso de morte, os ofendidos de amanhã. Quem hoje acredita que pessoas com quarenta anos devem rejeitar, por exemplo, ao desejo pelo conhecimento pura e simplesmente em razão da idade, serão os mesmos que terão os seus netos tendo ações de preconceitos para com eles e não poderão dizer nada, pois educaram seus filhos para assim agir. 
 
 
Quando parte de uma juventude alienada debocha da maturidade, ela demonstra claramente que, ou perdeu - ou ainda nem ingressou - no trem da história ou está muito ligado nas suas bolhas de redes sociais, se esquecendo que o mundo é muito maior que seu engajamento nas redes.
 
Talvez as jovens paulistas privilegiadas não saibam ainda que acreditar que pessoas com mais de quarenta anos não podem ter acesso ao conhecimento é, antes de tudo, uma imbecilidade sem precedentes, mas é também não reconhecer o poder das trocas. Nós, os maiores de quarenta que já frequentamos o ambiente universitário e sabemos que nossos colegas mais maduros eram os que melhor nos ensinavam. Quem não se lembra de uma colega de sala mais velha que as vezes mostrava um ponto de vista que nenhum da roda tinha conseguido alcançar, já que nossa imaturidade não nos permitia ir além de nossos restritos mundos domésticos?
 
 
Provavelmente, por nunca terem frequentado o mundo acadêmico, as jovens não sabem ainda que as melhores trocas que temos dentro da Universidade são, na imensa maioria das vezes, com professores acima dos quarenta anos que, pelos anos de estrada no magistério, aprenderam a conhecer também um pouco da atormentada alma universitária. As trocas com os colegas mais novos são ótimas, mas as orientações de um bom professor ou de um colega, geralmente acima dos quarenta, a gente nunca esquece, são para a vida.
 
As universitárias de Bauru ainda são jovens e depois da repercussão daquilo que fizeram, certamente pararão para refletir e, esperamos, um dia, aprendam a não diminuir aquilo lhes é diferente. O que assusta é que elas não são uma exceção em um mundo de respeito às pessoas maduras, ao contrário, elas são fruto de uma sociedade que elevou a juventude a valor moral, que vê o avançar dos anos como algo que precisa ser combatido a qualquer custo; que acredita que quem não é jovem tem menos valor. Os nossos jovens são provenientes dessa sociedade doente que até mesmo para vender creme antirrugas convida uma modelo vinte anos mais nova do que consumidora que usará o produto, tudo por temor de envelhecer a marca, se é que alguém sabe explicar o que isto significa.  
 
 
O absurdo não são as universitárias de Bauru, elas só são a ponta de um iceberg que mostra que parte da juventude está muito engajada nas redes sociais, mas é preconceituosa na realidade, uma parcela de pessoas etaristas, que acreditam que as pessoas maduras precisam se retirar do mundo para que elas possam viver, já que a convivência seria impossível, reservando-lhes unicamente o papel de pagadores.
 
Tem uma fábula que diz que um filho, cansado de ver o pai, velho e doente, jogar comida ao chão quando se alimentava, mandou os empregados o servirem em uma gamela no chão. Um dia, ao chegar em casa, esse filho viu seu próprio filho brincando com madeira e lhe perguntou o que ele estava fazendo, ao que foi respondido que estava a lhe fazer uma gamela para lhe servir a comida quando ele ficasse velho, já que ele tinha feito isto a seu avô e considerava isto, então, a atitude correta a se ter.
 
Em qual mundo queremos viver, o da gamela? 
 

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