Jornal Estado de Minas

VITALIDADE

Chronos e Kairós

Dias atrás a imprensa noticiou a história de duas amigas que resolveram viajar pelos sete continentes em oitenta dias, como na história de Júlio Verne. A viagem, por si só, já podia ser considerada uma aventura, agora, acreditem ou não, tais amigas têm 81 anos, viajaram sozinhas e sem ajuda de agência de turismo pois, segundo elas, queriam experimentar as crises que os viajantes geralmente tem.





As amigas Elie Hamby e Sandy Hazelip, a primeira fotógrafa e a outra médica, iniciaram suas viagens quando se tornaram viúvas e de lá para cá já foram mais de cem incursões mundo afora, mas a viagem que as tornou famosas foi a última, iniciada no dia 11 janeiro de 2023 e finalizada em abril. Elas passaram pela Austrália, Indonésia, Japão, Nepal, Índia, Egito, Zanzibar, Finlândia, Argentina, Ilha de Páscoa, isto só para enumerar alguns dos países por elas visitados, e compartilharam sua aventura no blogue Around the Word at 80.

Lá elas contam que não viajam de primeira classe, não se hospedam em hotéis luxuosos e nem comem comidas sofisticadas, pois aprenderam ao longo das muitas viagens que já fizeram juntas que o mais importante é a experiência de estar em lugares diferentes e não propriamente o conforto da viagem. Em suas incursões, as duas curiosas dizem que visitam os lugares em que turistas não costumam ir e que tentam aprender ao máximo a cultura local.

Obviamente que as amigas, experientes que são no assunto, se prepararam para a viagem que fariam, mas nada podia proteger as aventureiras das situações inesperadas que em regra acometem a todos viajantes. Ao saírem de casa elas sabiam que passariam por perrengues. Aceitaram isto com naturalidade e sem deixar os medos, naturais quando se tem 81 anos e se deseja viajar o mundo em oitenta dias, impedissem seus caminhos rumo ao desafio.





A inspiradora história destas duas mulheres nos faz questionar os limites que nós mesmos vamos nos impondo ao longo dos anos. Muitas vezes acreditamos que já não estamos mais na idade de usar certas roupas, de ter determinado cumprimento de cabelo, de decidir as nossas coisas por conta própria, enfim, de nos arriscarmos e, com isso, acabamos por nos impor restrições que, de fato, a vida não nos impõe, a não ser quando acreditamos nelas.

Muitas vezes aquilo que nos limita não é idade, mas o nosso modo de ver e viver a vida. No século passado era conveniente socialmente que os velhos ficassem dentro de casa para que não causassem preocupação aos filhos e parentes, no entanto, no século XXI isto parece estar completamente ultrapassado. Os que estão em processo de amadurecimento atualmente não lembram, nem vagamente, a geração que os antecedeu, por exemplo, em termos de conhecimentos sobre os benefícios da prática de exercícios físicos, de uma nutrição adequada e da manutenção de uma boa saúde mental. O objetivo destas práticas é manter a autonomia e a independência. Autonomia para tomar decisões e independência para executar estas decisões.

O exemplo das amigas é apenas um dentre vários que poderíamos citar de pessoas que não viram na idade um reclame para deixarem de viver como entendem ser o melhor para si – e não o que os outros acham que é. Não há dúvida que o processo de envelhecimento é permeado por perdas e limitações que, de fato acontecem, contudo, podemos aqui parafrasear Simone de Beauvoir em seu filosófico livro de memórias A Força da Idade, e dizer que não devemos nunca permitir que nada nos limite, nos sujeite ou nos defina, nem mesmo tempo!

O que nos mantem vivos – e não apenas existindo – é a abertura que damos ao mundo que nos cerca, as experiências que nos recusamos a não viver, as sensações provenientes da alegria de vencer um desafio. Não importa se é rodando o mundo em oitenta dias, batendo um recorde mundial ou fazendo arte, o que vale mesmo é a coragem de ser quem se tem vontade de ser, sem se limitar pelo tempo. Tempo este que a mitologia nos ensinou que é relativo e depende muito mais de nossas percepções do que propriamente de sua mera passagem cronológica.