Jornal Estado de Minas

VITALIDADE

Medicina Paliativa: conforto que conforta

Hoje vamos falar sobre a Medicina Paliativa. Ou já estamos na idade para tocarmos no assunto ou termos pais que dentro em breve poderão se ver às voltas com ela. A medicina paliativa tem uma abordagem mais voltada para o cuidado e alívio da dor e do sofrimento em doenças graves e incuráveis e nos convida a refletir sobre a complexidade da experiência
humana diante da finitude. É um campo que vai além do tratamento físico, buscando compreender e atender às múltiplas dimensões do sofrimento que acompanham a trajetória de um paciente e de seus familiares nesse contexto.





O termo "paliativo" vem do latim paliado, no sentido de encobrir, dissimular, disfarçar, tornar menos intenso, atenuar, abrandar. Ele está associado à ideia de um manto protetor e sugere uma abordagem médica que busca oferecer suporte e alívio diante de uma doença fora de possibilidade terapêutica. Nessa perspectiva, o cuidado paliativo se torna um cuidado de proteção, que envolve não apenas o corpo, mas também o aspecto emocional, social e espiritual
do paciente.


O enfermo que enfrenta a terminalidade da vida pode experimentar dias de grande esperança, apesar de seu prognóstico desfavorável, crendo em uma cura milagrosa; e outros dias, de profunda angústia em face de sua inapelável extinção. Não raro os sintomas álgicos podem se mostrar insuportáveis, principalmente na terminalidade de algumas doenças específicas, o que pode fazer com que enfermo requeira, de modo consciente, sua morte, não
tanto para se ver livre da vida, mas para pôr fim às dores do corpo.


Assim entendida a realidade do paciente fora de possibilidade terapêutica, quando a cura não é mais possível, o objetivo da equipe de saúde que assiste ao paciente deve voltar-se para os tratamentos paliativos dos tormentos que afligem as pessoas em processo de terminalidade da vida. Assim, aliviar a dor e desconforto do corpo e o sofrimento da alma são as tarefas principais da Medicina Paliativa.





A dor é um alarme do corpo que impulsiona o organismo a atuar de forma a restabelecer a saúde. Ela é física e pode ser ou não proporcional à magnitude da lesão. Nesse sentido, cada queixa de dor deve ser analisada pela equipe de saúde, não sendo possível de antemão estabelecer uma escala precisa para quantificar a dor do indivíduo enfermo. Já o sofrimento é a percepção psíquica de uma ameaça, envolvendo medo, apreensão, insegurança e a incerteza do ue está por vir.


A função primordial dos cuidados paliativos é, então, o de oferecer uma abordagem multidisciplinar, no qual médicos, enfermeiros, assistentes sociais, profissionais de saúde mental, dentre outros, buscam o abrandamento da angústia experimentada pelos pacientes em processo de terminalidade da vida, por meio da prevenção e alívio da dor física, com identificação precoce, avaliação correta e tratamento adequado para o quadro, assim como o
suporte às questões existenciais que rondam a terminalidade da vida.


É papel da equipe de saúde multiprofissional auxiliar o enfermo em processo de terminalidade da vida a compreender sua situação e quem sabe assim, diante de uma morte anunciada, poder proporcionar a ele a oportunidade de revisitar sua própria vida e refletir sobre suas vivências e escolhas. Nesse sentido, a equipe multiprofissional desempenha um papel crucial, oferecendo um espaço de escuta e acolhimento, onde o paciente pode expressar suas
preocupações, medos e desejos, assim como o personagem Ivan Ilich desejou ter tido a chance no livro de Tolstói chamado A Morte de Ivan Ilich, no qual o autor reflete sobre a mortalidade, a busca por sentido na vida e a inevitabilidade da morte.





Muitas vezes, é por meio do cuidado paliativo, oferecido pela Medicina Paliativa, que o paciente se abre para resolver questões pendentes em sua vida, reconstruir laços afetivos e organizar assuntos importantes. Se é gratificante para o enfermo em processo de terminalidade da vida receber cuidados integrais para o enfrentamento do processo, isto também é verdadeiro para a equipe que o assiste. No final da vida, muitas pessoas se abrem para um estado de amorosidade profunda e oferece a todos os que estão ao seu redor sabedoria, amor e gratidão, notadamente à equipe que o auxilia.


Isto é tão verdade que, embora lidar com a morte seja algo desafiador, as pesquisas demonstram que profissionais que trabalham em cuidados paliativos geralmente apresentam menor índice de estresse profissional que seus colegas de outras áreas. Por meio dessa prática, eles aprendem a valorizar a vida e encontram um propósito em cuidar daqueles que estão
enfrentando a finitude.

 

Quando, diante de uma doença fora de possibilidade terapêutica, os médicos
recomendarem a Medicina Paliativa, não devemos nos preocupar! Não seremos ou teremos nossos familiares abandonados à própria sorte, mas sim, seremos encaminhados para um verdadeiro suporte nos momentos derradeiros. Aceitar a Medicina Paliativa é admitirmos que a vida tem um fim e que é possível receber suporte integral para enfrentar esse doloroso processo.


Com o auxílio da Medicina Paliativa a morte se revela como um dia que vale a pena ser vivido, como queria o personagem Ivan Ilich, pois, mesmo diante das dificuldades, é possível encontrar significado, conexões humanas e cuidado compassivo. A Medicina Paliativa nos convida a refletir sobre a importância de abordar a finitude com sensibilidade, respeito e compreensão, reconhecendo que cada vida tem um valor inestimável e que cada pessoa merece ter um espaço apropriado para alívio de suas dores físicas e seus sofrimentos existenciais nos seus derradeiros momentos como consciência neste planeta.