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Estado de Minas VITALidade

Maturidade marginalizada: o etarismo na PUC-Rio

Decisão de instituir programas de demissão voluntária baseados na idade revela mais do que um mero desejo organizacional de rejuvenescimento


16/10/2023 06:00
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Câmpus da PUC-Rio
Câmpus da PUC-Rio (foto: Guilherme Torelly )

 

Há algumas semanas, a afiada pena do jornalista Ancelmo Góis, em coluna no O Globo lançou luz sobre um tema bastante questionável e que provocou um burburinho no meio acadêmico e social.

A Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), renomada instituição de ensino, lançou um programa de demissão voluntária com um foco particular: incentivar os funcionários com mais de 60 anos a pedir demissão, oferecendo, em troca, determinados incentivos.

 

 

 

              
A sociedade contemporânea, embriagada pela obsessão do novo e pelo culto à juventude, frequentemente deixa de perceber os ecos de etarismo que ressoam em suas práticas e decisões. Tal preconceito de idade, muitas vezes velado sob a roupagem da modernização e renovação, revela-se em práticas como os programas de demissão voluntária voltados especificamente para profissionais maduros.

 

 

Estes programas, ao passo que podem parecer benignos ou até mesmo benevolentes à primeira vista, carregam em sua essência uma mensagem potente e profundamente etarista: a de que a maturidade, ao invés de ser vista como uma fonte rica de experiência e sabedoria, é encarada como um peso ou um obstáculo à evolução organizacional.

 

 

              
Como Simone de Beauvoir já refletiu em análise sobre as categorizações da idade, nossa sociedade tem o hábito de encaixotar as pessoas em estereótipos associados às suas fases de vida. O programa de demissão voluntária da PUC-Rio é uma manifestação palpável desse pensamento.
Supõe-se, equivocadamente, que o vigor, a inovação e a produtividade estão inexoravelmente ligados à juventude, enquanto os mais maduros, sob a sombra de seus anos, são relegados ao papel de figurantes passivos no palco da inovação.

 

 

              
Entretanto, ao enxergarmos os anos como uma mera sequência cronológica e ignorarmos o vasto repertório de vivências, aprendizados e nuances que a maturidade traz, cometemos uma injustiça não apenas com aqueles que têm mais idade, mas também com as próprias instituições que buscam evoluir. Os mais jovens, imersos na ilusão de uma juventude eterna propagada pela cultura, podem desconhecer o valor de uma perspectiva moldada pelo tempo, pelo amadurecimento e pelas múltiplas experiências.

 

 

A decisão de instituir programas de demissão voluntária baseados na idade revela mais do que um mero desejo organizacional de rejuvenescimento. Ela reflete a sedimentação do etarismo em nossa cultura, em que o valor de uma pessoa é muitas vezes mensurado não pelo conjunto de suas contribuições, mas pela contagem dos anos que carrega. O Oráculo de Delfos nos desafiava a conhecer a nós mesmos e, nesse contexto, tal sabedoria implica reconhecer e valorizar a riqueza da jornada humana em todas as suas fases, sem preconceitos.

 

 

              
Por isso, é imperativo que as empresas reavaliem tais práticas, não apenas em nome da justiça e da equidade, mas em prol de seu próprio crescimento sustentado. Pois, como a história tem demonstrado, a verdadeira inovação e progresso nascem da confluência de diversas perspectivas, idades e vivências. E ignorar a profundidade e a perspectiva que a maturidade oferece é, sem dúvida, uma oportunidade perdida.

 

 

Tal situação se torna ainda mais delicada quando consideramos os impactos dessas práticas sobre o moral dos funcionários. Ao observar colegas de longa data sendo incentivados a se retirar antecipadamente, muitos podem começar a questionar a valorização de sua própria experiência e contribuição para a empresa. Tal cenário pode gerar um ambiente de trabalho tenso, em que a lealdade e o comprometimento dos empregados mais antigos se tornam mais voláteis.

 

 

              
No coração do debate sobre o etarismo no ambiente de trabalho encontramos uma contradição fundamental: enquanto as organizações buscam inovação e novas perspectivas, elas falham ao não reconhecer que a inovação verdadeiramente disruptiva frequentemente surge da interseção de múltiplas perspectivas. A sabedoria de alguém com décadas de experiência, combinada com a energia e a perspectiva fresca de um recém-formado, pode criar soluções e ideias que nenhuma das partes poderia conceber sozinha.

 

 

              
O mundo acadêmico, em particular, deveria estar na vanguarda de tais reconhecimentos. Universidades e instituições de ensino são bastiões do conhecimento e do debate. Eles moldam mentes jovens, desafiam o status quo e buscam constantemente a verdade e o entendimento. No entanto, quando uma instituição de ensino promove programas que indiretamente marginalizam ou desvalorizam as contribuições de seus membros mais experientes, ela corre o risco de comprometer essa missão fundamental.

 

 

              
Ao analisarmos a história e as contribuições de grandes mentes que brilharam bem além de seus anos de juventude, deparamo-nos com figuras icônicas como Nelson Mandela, que foi presidente da África do Sul aos 75 anos; Leonardo da Vinci, que continuou a inovar e criar até a morte, aos 67 anos. Tais exemplos ilustram claramente que a capacidade de contribuir significativamente para a sociedade não tem prazo de validade.

 

 

              
Em uma era na qual a longevidade está aumentando e as carreiras tradicionais estão se tornando menos lineares, as organizações devem se adaptar e abraçar uma força de trabalho diversificada em termos de idade. O foco, aliás, não deve estar na idade, mas nas habilidades, experiências e perspectivas que cada indivíduo traz para a mesa. E, talvez, mais importante que tudo, está a necessidade de cultivar uma cultura organizacional que respeite e valorize todas as vozes, independentemente de quantos anos elas têm.              

 

 


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