O governo passou meses para mandar sua proposta para renovação do Fundo de Desenvolvimento e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Finalmente, encaminhou um texto para a Câmara dos Deputados às vésperas da votação, o que não havia sido pactuado anteriormente com os deputados. O resultado foi uma derrota retumbante, que tentou ser vendida como vitória pelo presidente.
Somente cinco deputados votaram contra o Fundeb nos dois turnos. Em comum, todos se apresentam como bolsonaristas radicais, a exemplo de Bia Kicis (PSL-DF) e Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-RJ). Essa, vale ressaltar, era a orientação original do governo: votar contra. No entanto, foi necessária uma mudança de posição, a qual não foi seguida pelos deputados em questão.
Essa estratégia não é nova: no ano passado o líder do governo chegou a mudar sua orientação de bancada antevendo uma derrota imposta pelo plenário. Bolsonaro, inclusive, retirou a vice-liderança do governo de Bia Kicis, por ter seguido a orientação inicial do governo. Além disso, o presidente desdenhou dos aliados, assegurando que “bancada é bem maior que cinco ou sete deputados”. A bancada à qual o presidente se refere são os 220 ou 240 deputados que compõem o Centrão, mas que obedecem a uma dinâmica própria, que ainda parecer ser ignorada pela equipe de coordenação política do governo.
Líder informal desse grande grupo, que existe desde a redemocratização, o deputado Arthur Lira (PP-PI) bem que tentou fazer com que a proposta do governo fosse considerada. Quando viu que não conseguiria, tentou esvaziar o plenário, para que não houvesse número suficiente para deliberação. Como não conseguiu também derrubar o quórum da sessão, foi obrigado a mudar de posição e a apoiar o texto da deputada Professora Dorinha (DEM-TO), afiançado pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia.
Arthur Lira não conseguiu entregar os votos dos partidos de centro por alguns motivos, mas talvez seja interessante a articulação do governo considerar pelos menos três para votações futuras.
Em primeiro lugar, não adianta brigar com a realidade: qual deputado vai votar contra educação a três meses de uma eleição municipal? Logo menos, nos palanques regionais, seriam acusados por adversários de ter retirado verbas de uma área tão sensível. Seria quase um tiro mortal para quem está buscando virar ou apoiar um prefeito ou vereador. Observando a derrota por essa lógica, vale fazer uma reflexão sobre a estratégia de comunicação do governo.
O Palácio do Planalto propôs que o aumento dos aportes da União no Fundo começasse apenas em 2022, medida compreensível quando se leva em conta o déficit nas contas públicas. Contudo, ganhou força a ideia de que o governo pretendia extinguir o Fundeb em 2021 e retomá-lo apenas em 2022 – uma ação com potencial devastador para a educação brasileira. Faltou que o governo viesse a público e tomasse a dianteira nessa pauta, mas se nem o presidente e o novo ministro da Educação fizeram isso, quais eram os incentivos para que os deputados da base assim o fizessem?
Em segundo lugar, o Centrão não é homogêneo e os interesses de cada deputado teriam que ser considerados. Atualmente, existe uma percepção no Congresso Nacional de que as demandas de líderes são mais atendidas do que de outros parlamentares com menos visibilidade. Porém, evidentemente, o peso dos votos é o mesmo. Líderes dos partidos de centro já foram agraciados com cargos no governo e emendas. Agora os outros parlamentares também buscam seu quinhão.
Em terceiro lugar, precisa haver um motivo muito forte para que uma proposta discutida há meses no Congresso seja desconsiderada em favor da proposta do governo. O texto do Executivo – desenvolvido mais pelo Ministério da Economia do que pelo da Educação – basicamente destinava parte das verbas do Fundeb para o novo programa do governo, o Renda Brasil. Esse remanejamento manteria a aprovação nas classes mais baixas a Bolsonaro – ganho por causa do Corona Voucher – sem gerar despesa extra. Dar essa vantagem ao governo só seria razoável se esperar de uma base madura e testada. Não é o caso.
Por fim, vale a pena mencionar o papel do líder do governo na Câmara dos Deputados. Em determinado momento, o Major Vitor Hugo (PSL-GO), considerando as manifestações de seus pares, demoveu o governo a deixar de lado sua proposta inicial. No entanto, no decorrer da votação, o Major resolveu sustentar um destaque e orientar a “base” contra uma determinada posição nitidamente majoritária. O resultado foi uma óbvia derrota. Com isso, o líder explicitou para todo o mundo político a fragilidade do apoio do governo.
Ao que tudo indica, o destino do líder Major Vitor Hugo pode ser o mesmo de Bia Kicis. O Planalto, contudo, se esforça para encontrar uma saída honrosa para este deputado, em primeiro ano de mandato e aliado de primeira hora do clã Bolsonaro. O desafio aqui é evitar que essa troca seja mal recebida pela ala ideológica do governo, que teme ser escanteada pelo Centrão. O novo líder do governo deve ser um deputado desse grupo, possivelmente Ricardo Barros (PP-PR) – uma figura bem articulada e com destacada participação em negociações políticas complexas.
Deixar evidente a fragilidade do governo nesse momento é especialmente preocupante, pois se aproxima uma provável sessão do Congresso Nacional para deliberar os vetos do presidente. A sessão de vetos é como se fosse uma “hora da verdade” para qualquer governo testar sua base aliada. Nessa sessão, deverão ser pautados pelos menos dois vetos polêmicos: o primeiro que determina a licitação imediata para contratos de concessão de saneamento que sejam encerrados; e o segundo que barrou a prorrogação da desoneração da folha de pagamento. Em ambos os casos, existe razoável probabilidade de que sejam derrubados.
Conhecendo a fragilidade do governo, o presidente do Congresso Nacional e do Senado, David Alcolumbre – aliado do presidente Bolsonaro – vem postergando semana a semana a sessão de deliberação de vetos, mas já sofre pressões dos outros parlamentares para que a convoque. Alcolumbre esperava um momento mais propício para evitar novas derrotas do governo. O erro tático de articulação na votação do Fundeb, nesse contexto, só piora a situação.
Ainda está em aberto se Alcolumbre conseguirá resistir à pressão e postergar mais a deliberação dos vetos nestra semana que começa. Se não conseguir, a articulação política do governo terá que mostrar habilidade que ainda não apareceu neste ano.
O governo mandando um texto de autoria do Ministério da Economia tardiamente para o Congresso Nacional sobre um tema polêmico. Parece até o roteiro da Reforma Tributária. Se as lições do Fundeb não forem aprendidas, a tendência é que o final também seja semelhante.