“Vitória da base do governo Bolsonaro na votação do veto que assegura o rigor fiscal.” Foi com essas palavras que o novo líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR) comemorou em suas redes sociais a manutenção do veto do presidente Bolsonaro, que impede o reajuste aos salários de servidores públicos até 2021.
Leia Mais
Como desentubar a economia brasileira?O recado que a votação do Fundeb passa para a reforma tributáriaMaia e Alcolumbre estão sem pressa para votar a reforma tributáriaOposição não consegue segurar o ímpeto de um Congresso reformistaQue Barros é mais capacitado politicamente do que Victor Hugo para administrar parte da conturbada articulação política do governo ninguém duvida. O deputado do Paraná é uma típica figura de centro: foi aliado de Collor a Temer, de quem foi um elogiado ministro da Saúde. Com essa história política, Barros empresta credibilidade para o governo no momento de negociar cargos e emendas com seus pares. Mas a votação do veto ao reajuste de servidores públicos já pode ser atribuída a essa mudança?
Pode até ser que parte dos 316 votos para manutenção do voto tenham sido conseguidos pelo ex-ministro de Temer, mas é fato que outros deputados defensores do rigor fiscal tiveram importante participação. Foi nesse sentido que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, quando questionado se a votação teria sido uma vitória do governo, respondeu: “Foi a Câmara que construiu a solução. Não tirando a importância do governo, mas foram os líderes que construíram a solução”. Foi uma clara resposta a Barros, mas também ao Senado.
Isso porque os senadores, em votação anterior, haviam derrubado o veto de Bolsonaro. A derrubada pegou mal, sendo que alguns parlamentares sofreram nas redes sociais por estarem concedendo privilégios a quem já tem salários muito superiores à média nacional. Um deles foi o senador Major Olímpio (PSL-SP), que divulgou vídeos comemorando o resultado da votação. O senador tentou se explicar, mas o estrago já estava feito.
Ecoando a repercussão negativa, ainda na noite da votação, o ministro Paulo Guedes disse que o sinal é “péssimo” e chamou de “crime” o uso de dinheiro emergencial do combate à pandemia para reajustar salário de servidores. Na mesma esteira, Bolsonaro sustentou que o país poderia ficar ingovernável e que a votação no Senado daria um prejuízo de R$ 120 bilhões. Assim, a repercussão negativa da votação no Senado começa a explicar a vitória da manutenção do veto na Câmara. Caso o impacto na opinião pública não tivesse sido tão ruim, certamente o cenário poderia ter sido diferente.
A pressão funcionou para forçar os líderes da Câmara dos Deputados, a casa com a palavra final nesse caso, a buscar uma saída para o enrosco. A primeira, e talvez principal, manobra tomada pelos deputados alinhados à proibição dos reajustes foi o pedido de adiamento da votação por 24 horas. A votação no Senado ocorreu na quarta-feira e poderia ser apreciada no mesmo dia na Câmara, mas a derrota do governo seria quase certa.
Assim, agiu bem a nova articulação do governo sob o comando de Ricardo Barros, pois esse tempo foi fundamental para que a pressão da opinião pública crescesse, bem como para que os líderes da Câmara conseguissem chegar a um acordo. Deu certo. No mapa de votação dos deputados, tanto partidos mais próximos do governo quanto os mais ligados a Rodrigo Maia registraram poucas traições.
Sobre as lições do primeiro teste da articulação do governo na Câmara “sob nova direção” ficam algumas lições: 1) Independentemente do líder, Maia reforça seu compromisso com a pauta econômica. 2) Deputados mais uma vez ficaram com o ônus de dizer não ao populismo do Senado (certeza que virá troco). 3) As falas incisivas e decisivas do presidente da República só vieram quando ficou evidente que a possibilidade de derrota era grande (ficou novamente claro a hesitação de Bolsonaro quanto a votações que atingem o funcionalismo).
Respondendo à pergunta do terceiro parágrafo; sim, é difícil imaginar que o major Victor Hugo conseguisse fazer o que Ricardo Barros fez semana passada. Porém, mais difícil ainda é imaginar que a manutenção da proibição do reajuste dos servidores fosse possível, sem a atuação de Maia e a repercussão negativa do resultado do dia anterior.