Jornal Estado de Minas

WAGNER PARENTE

Bom momento para se discutir e regulamentar o lobby no Brasil

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“Lobista ofereceu propina, acusa Luís Miranda”. Essa assertiva ou algumas variações foram comuns em manchetes de jornais impressos, comentários de analistas políticos na TV e em pronunciamentos de parlamentares. O contexto da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID, que hoje investiga principalmente possíveis irregularidades na aquisição de vacinas, pode ser útil para entender como funciona a atividade de lobby no Brasil e, sobretudo, separar o joio do trigo.





Começando pelo joio. Lobistas, ou considerando o termo mais técnico, profissionais de Relações Institucionais e Governamentais (RIG), não vendem vacina em shopping, muito menos pagam propina para conseguir qualquer vantagem para que os tomadores de decisão sigam uma direção ou outra. Tal prática é crime, tipificado no Código Penal, no grupo de atos praticados contra a administração pública, corrupção e improbidade administrativa. Nada disso é lobby.

Chegando no trigo. Lobby é uma prática inerente à democracia. A relação entre agentes públicos e representantes do setor privado e da sociedade civil é indispensável para que políticas públicas e decisões relevantes na vida de todo cidadão sejam discutidas com transparência, ajustadas e implementadas adequadamente. Todas as maiores democracias do mundo reconhecem a prática e, muitas delas, inclusive a regulamentam.

A regulamentação do lobby é recomendada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). As diretrizes da organização trazem princípios que podem ser incorporados nas regulações de seus membros. O Brasil pleiteia a entrada na OCDE e vem discutindo a regulamentação da atividade, tanto no Poder Executivo – em especial no Ministério da Economia e na Advocacia-Geral da União, quanto no Poder Legislativo – onde existem alguns projetos de lei no Congresso tratando da matéria.





Ainda que o lobby seja uma prática legal, a regulamentação poderia trazer mais tranquilidade e fluidez para que agentes públicos e o setor privado mantivessem um diálogo mais cooperativo, legítimo e formal. Basicamente, tudo que não vimos entre o Ministério da Saúde e as empresas envolvidas no combate à pandemia.

Imagine quantas vidas poderiam ter sido salvas caso a mensagem da empresa White Martins sobre a falta de oxigênio tivesse sido considerada pelo governo ainda em janeiro. Quantas vacinas poderiam ter sido adquiridas caso as comunicações da Pfizer tivessem sido consideradas ainda em setembro do ano passado? Será que se a AstraZeneca tivesse uma relação estabelecida com o governo brasileiro haveria espaço para que um intermediário aleatório entrasse no meio dessa operação?

O caso do combate à pandemia talvez seja o exemplo mais dramático do que pode acontecer quando governo e empresas não se comunicam adequadamente, mas está longe de ser o único. Todos os dias são editadas normas que não têm qualquer aderência com a realidade, simplesmente porque os cidadãos não são ouvidos.

Urge que a prática do lobby ou RIG seja desmitificada perante a sociedade, regulamentada no ordenamento jurídico brasileiro e reconhecida como atividade fundamental da democracia. Interessante notar que a confusão do lobby com práticas criminosas é igualmente difundida entre imprensa, sociedade e entes públicos. Entidades como o Instituto de Relações Governamentais (IRELGOV) buscam esclarecer essa confusão por meio da difusão de melhores práticas e conhecimento.

A forma como o caso das vacinas foi noticiado mostra que ainda existe um longo caminho a ser trilhado. Quem ofereceu (se é que o fez) propina ao irmão do deputado Luis Miranda não foi um lobista. Foi um criminoso.




audima