Em alguns aspectos, o desempenho do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pode ser comparado ao de um medalhista olímpico. A performance do presidente Lira não foi abalada pelas duas semanas de recesso legislativo e já trouxe resultados importantes em apenas três dias de trabalho após o retorno.
Avançar em tão pouco tempo em pautas como a privatização dos Correios e a reforma do Imposto de Renda e taxação de dividendos é feito equivalente ao de um atleta de alto rendimento. Alguns oponentes desconfiam de que esse desempenho está sendo insuflado por um tipo de dopping.
Dopping no esporte corresponde ao uso de recursos proibidos para melhorar o rendimento do atleta. No caso de Lira, o controle de parte relevante do orçamento público – aproximadamente R$ 11 bilhões a título de emendas do relator – que o presidente da Câmara pode distribuir livremente entre aliados lhe conferiria uma vantagem relevante para pautar e aprovar matérias.
Esse suposto dopping teria ajudado Lira a aprovar em tempo recorde o Projeto de Lei que abre espaço para a privatização dos Correios na semana passada. É bem verdade que nos últimos anos as privatizações deixaram de ser tão malvistas pela população, mas continuam sendo matérias complexas e que normalmente demandam um extenso período de negociações.
Algo parecido ocorreu com a mudança no Imposto de Renda (IR) e taxação de dividendos. Ainda que não seja uma reforma tributária, como o governo Bolsonaro alardeia, trata-se de matéria intricada e que impactará a vida de todas as empresas e cidadãos no Brasil. Lira conseguiu aprovar a possibilidade de tramitação muito mais celeremente (o tal regime de urgência). Pouca gente em Brasília vinha acreditando no avanço da reforma do IR antes do recesso. Bastou uma semana para Lira mudar completamente o jogo. Existe chance real de mais uma vitória de Lira e para a equipe que defende: o governo atual.
A equipe Bolsonaro acaba impondo a Lira entrar em disputas nas quais dificilmente toparia por sua conta. O voto impresso é isso: o presidente da Câmara vai ter que jogar pelo time ao colocar o assunto em votação no plenário, mesmo tendo sido derrotado na comissão especial. Hoje, mesmo com todo dopping, não parece haver condições de aprovar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do voto impresso. Essa derrota, se vier, será mais do time Bolsonaro do que de Lira, situação bem diferente da mudança nas regras eleitorais, que o presidente da Câmara tentou emplacar semana passada.
O próprio Lira é o principal entusiasta de mudar drasticamente a forma como se disputa cargos eletivos no Brasil. Criar o distritão e acabar com o segundo turno são apenas duas de diversas mudanças que tendem a favorecer quem já tem mandato. Por pouco, essas e outras mudanças não foram discutidas e votadas no fuso das competições de Tóquio. A deputada Tabata Amaral (sem partido -SP) protestou em suas redes sociais: “Marcaram para as 22h30, na calada da noite, a votação daquela que pode ser a maior (e também a pior) reforma política no país desde a Constituinte(...)”. Não deu na semana passada, mas Lira não desistiu. Esse assunto voltará tão logo ele entenda que conseguiu o mínimo de convergência de seus pares para a votação.
Vale considerar que o desempenho de Lira pode não ser suficiente para aprovação das pautas aqui mencionadas. Será necessário também que o Senado Federal as aprecie e as aprove. Lá, o presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG) não demonstra o mesmo apreço pela bandeira bolsonarista, nem o mesmo poder de influência que Lira tem sobre seus colegas parlamentares.
Lira já mostrou ser um ótimo jogador, turbinado por uma montanha de dinheiro. O governo Bolsonaro, por enquanto, vem se beneficiando com essas circunstâncias, mas o presidente da Câmara também é conhecido pela facilidade com que muda de bandeira.
As Olímpiadas de Tóquio acabaram, mas as emoções no Congresso Nacional e na corrida eleitoral de 2022 estão só no início. Que comecem os jogos.