A investida de evangélicos sobre alguns atores de Brasília na semana passada parece ter deixado o pastor da Igreja Presbiteriana André Mendonça, mais perto de se tornar supremo, como se autointitulou seu futuro colega de toga, Gilmar Mendes. O foco das ações foi o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que é o responsável por pautar a indicação de Mendonça na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Esse primeiro parágrafo bem que poderia ser parte de um jogo de sete erros. Por limitações de espaço, vamos falar de apenas quatro.
Em primeiro lugar, é necessário – ainda que redundante – afirmar que não existe problema algum em haver pressão legítima de um ou de outro grupo para que uma determinada decisão seja tomada. As manchetes da semana passada que alardeavam “lobby evangélico age para nomeação de Mendonça” induz ao erro de que existe algo de ilegal ou imoral no ato.
O grupo que foi a Brasília e se encontrou com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e com o presidente da República, Jair Bolsonaro, para solicitar celeridade na sabatina tinha total direito de fazê-lo, prerrogativa que consta no artigo 5º da Constituição Federal: o chamado direito de petição. O preconceito contra lobby e evangélico, ainda mais na mesma frase, demanda uma outra discussão, que infelizmente não cabe agora.
O segundo erro do parágrafo inicial foi colocar o título de pastor antes de qualquer outra qualificação de Mendonça. É verdade que isso ocorre por culpa do próprio Bolsonaro, que desde o início de seu mandato disse que indicaria um ministro do Supremo “terrivelmente evangélico”. O erro está em chamar a atenção para a opção religiosa de seu indicado e não para seu – provável – viés conservador. É normal que presidentes conservadores indiquem juízes desse espectro ideológico (vide os indicados de Donald Trump para a Suprema Corte americana, por exemplo), mas é absolutamente incomum que a opção religiosa venha na frente de outros atributos.
Quando a ex-presidente Dilma Roussef indicou Luiz Fux e Luís Roberto Barroso para o STF, pouco foi dito quanto ao fato de ambos serem judeus, mesmo que questionamentos tenham sido levantados quanto às suas qualificações profissionais. Questionar a competência para fazer parte desse seleto grupo de 11 pessoas, que provavelmente são as mais poderosas do país, faz sentido. Qualificar – ou desqualificar – qualquer um por sua opção religiosa não faz.
O terceiro erro presente no primeiro parágrafo é a forma como o ser humano lida com o poder. Qualquer servidor público que se acha “supremo” no sentido quase bíblico da palavra parece ter um sério problema de dissociação de imagem: a pessoa se olha no espelho e acredita estar vendo um semideus, um faraó. Talvez o autoengano seja reforçado pelo fato de o cargo de ministro do STF ser vitalício.
O ministro nomeado só sai da toga naturalmente se morrer ou se tiver a felicidade de viver mais de 75 anos, quando chega à aposentadoria compulsória. Para se ter uma ideia, o ministro Hermínio do Espírito Santo ficou mais de 30 anos na posição. Feito de dar inveja a muito ditador africano. Caso os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes fiquem até o final de seus períodos, o recorde estabelecido por Hermínio não será batido por pouco – bônus de quem chega antes dos 50 na corte mais alta da Justiça brasileira. Não parece razoável.
Por esse motivo, existem propostas no Congresso Nacional para o estabelecimento de mandato para os ministros do STF. A Proposta de Emenda à Constituição 35 de 2015, de autoria do senador Lasier Martins (Podemos-RS), sugere 10 anos como tempo máximo de permanência. A discussão é válida, pois o sistema atual parece estar criando mesmo uma casta de seres “supremos”, que só reforça arroubos golpistas do outro lado.
O último erro do primeiro parágrafo é colocar indevidamente a prerrogativa da aprovação na decisão individual do senador Davi Alcolumbre. A definição ou não do novo ministro do Supremo é, em última instância, da maioria absoluta do Senado Federal (41 dos 81 senadores), depois de realizada sabatina na CCJ. Como Alcolumbre é presidente da CCJ e não coloca a sabatina de Mendonça em pauta, nada anda. Dessa forma, parece evidente que as sabatinas desse tipo deveriam ter um prazo para realização.
Se o indicado terá ou não votos para ser aprovado é outra história. O que não parece razoável é o presidente da CCJ retaliar o governo segurando uma sabatina por mais de dois meses. A falta de um ministro estrangula ainda mais a pauta já entulhada do Supremo com temas que vão da encrenca dos precatórios à suposta rachadinha do senador Flávio Bolsonaro (Patritota-RJ).
Ainda que boa parte dos analistas tenha vaticinado a “subida no telhado” da indicação de Mendonça, a realidade mostra que o ambiente para aprovação de seu nome melhorou bastante e que deve, sim, ocorrer. Independentemente disso, instituições são mais importantes que os indivíduos. Tirar lições dessa turbulenta indicação ao STF é focar no que realmente importa.