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Pouco importa a participação do presidente Bolsonaro na COP-26, na Escócia

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Observando o que foi feito no Brasil nos últimos anos na agenda ambiental, é fácil chegar à conclusão de que os tomadores de decisão se encontravam em um estado de negação frente aos possíveis impactos da pressão internacional sobre a atividade econômica.





Essa inação culminou na desistência do presidente Jair Bolsonaro de comparecer à 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26), em Glasgow, na Escócia, por receio de “receber pedradas”, como disse o vice-presidente Hamilton Mourão. A atitude é parecida com a de uma criança de dois anos que tapa os próprios olhos com as mãos na esperança de que ninguém lhe veja.

A realidade é que o Brasil está sob o escrutínio do mundo e pouco importa se o presidente irá ou não à conferência. As nações mais economicamente relevantes procuraram levar resultados concretos para a Escócia, que inclui até mesmo a China, que sempre teve reticências em assumir compromissos mais relevantes na matéria. Isso mudou.

A China vem anunciando uma verdadeira guinada rumo à energia limpa para cumprir sua ambiciosa meta de neutralização total de carbono em 2060. Hoje, aproximadamente 80% da produção energética chinesa provêm de fontes consideradas de alto poder poluidor, principalmente o carvão. O gigante asiático anunciou que mais da metade de sua matriz energética será de fontes renováveis – em especial eólica e solar – até 2045.





A mesma direção foi seguida pelo governo americano. Biden anunciou um plano de investimentos massivo para transição energética. Hoje, a energia solar representa apenas 4% na matriz americana. A ideia é que passe para 45% até 2030.

O mais interessante é que em relação à energia, o Brasil foi um modelo para o mundo. A matriz brasileira sempre foi predominantemente hídrica, e, portanto, limpa. A falta de chuva nos últimos anos levou a uma diversificação ainda maior das fontes de energia e hoje outras fontes renováveis representam até 13% do total.

Não é à toa que a delegação brasileira – que tem apenas três ministros - conta com a presença do titular da pasta de Minas e Energia, o almirante Bento Albuquerque. A defesa da matriz energética brasileira e a apresentação de programas exitosos como o RenovaBio, certamente serão o que de melhor será apresentado pelo Brasil. Trabalho mais árduo terá o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite.





A principal fragilidade brasileira são os números de desmatamento. O Brasil chega a Glasgow com os piores índices de degradação ambiental nos últimos dez anos, segundo os dados oficiais. Entre agosto de 2020 e julho de 2021, o desmatamento acumulado foi 57% maior frente ao registrado no período anterior. Além do dano ambiental decorrente da destruição da floresta, os incêndios aumentam as emissões de gases do efeito estufa e afetam em cheio a imagem da agroindústria exportadora.

Não por acaso, a ministra da Agricultura, Teresa Cristina, também não irá à COP-26. O principal representante do setor público na área agrícola será o presidente da Embrapa, Celso Moretti. Evidentemente, ele buscará trazer informações sobre o ganho de produtividade por área plantada, fruto de muita pesquisa e desenvolvimento nacionais. Ainda assim, é difícil que esses dados sejam suficientes para limpar a barra brasileira.

Os efeitos do ceticismo mundial não tardarão a chegar. Recentemente, a União Europeia (UE) iniciou a fase final para implementação de uma taxação sobre as exportações de produtos poluidores. Vai funcionar mais ou menos assim: se o padrão na UE de emissões de dióxido de carbono (CO2) para produzir uma tonelada de cimento for 10 e uma empresa brasileira emitir 12, esta última será obrigada a pagar pela poluição excedente antes de acessar o mercado europeu. No Congresso norte-americano algo bastante similar está sendo discutido. Essa possibilidade de pagar pelo excesso de poluição – por meio de um mercado de carbono - será discutido na COP-26 e o Brasil também chega atrasado na discussão.





O Brasil poderia levar uma boa vantagem em relação aos concorrentes internacionais no que se refere à possibilidade de comprar e vender carbono, pois como já dito, tem uma matriz energética limpa (pelo menos quando as usinas térmicas não estão ligadas como agora), mas esse tema nunca avançou como deveria, pelo menos não no Poder Executivo.

Por esse motivo, como ocorreu em outros assuntos, o Congresso Nacional foi proativo e propôs um texto para regulamentação do mercado de carbono no Brasil. Havia uma expectativa de que o Projeto de Lei 528, de 2021, de autoria do deputado Marcelo Ramos (PL-AM), pudesse ser aprovado ao menos na Câmara dos Deputados até a realização da COP-26. Por divergências com os ministérios da Economia e do Meio Ambiente e mesmo com o setor privado, não será possível levar essa entrega para a conferência.

Da mesma forma, causou embaraço a tentativa de alterar a meta brasileira de redução de emissões (as chamadas contribuições nacionalmente determinadas, NDCs). O que foi anunciado internamente pelo governo como aumento de ambição na meta foi recebido internacionalmente como um retrocesso.





O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente classificou como manobra contábil o fato de o Brasil não ter repassado proporcionalmente para sua meta o aumento das emissões no ano-base de 2015 – segundo o inventário de emissões feito em 2018, o volume do ano-base passou de 2,1 bilhões para 2,8 bilhões de toneladas a estimativa de CO2 emitida.

O Brasil levará para Glasgow a segunda maior comitiva – perde apenas para os Estados Unidos – e terá o maior espaço físico já ocupado em conferência do tipo. No entanto, a negação em que se ficou por muito tempo não permitiu que se chegasse na COP-26 com os resultados que poderiam melhorar a imagem do país perante a comunidade internacional. Uma coisa é certa: tapar os próprios olhos achando que o mundo não está nos vendo não vai dar certo.



audima