É difícil saber se Montesquieu ficaria orgulhoso ou triste de ver seu sistema de freios e contrapesos testado ao limite na democracia brasileira. Aqui, sempre parece que se deixa para frear no último minuto antes do choque fatal. Essa tensão entre os poderes não dá trégua: mal se resolveu o impasse sobre o orçamento secreto e aparece um “passaporte da vacina” para elevar a temperatura novamente.
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Pouco importa a participação do presidente Bolsonaro na COP-26, na EscóciaMovimentos no xadrez começam a definir a disputa eleitoral em 2022Crise hídrica, racionamento e inflação alta assombram BolsonaroO esporte favorito do presidente Bolsonaro é criar problemas para eleFracasso da campanha de desinformação contra vacina é esperança à políticaComo nossa estupidez é usada para nos manipular politicamentePelo seu lado, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber cedeu e liberou a retomada da execução desses recursos ainda no orçamento de 2021. Nitidamente, o Judiciário freou antes e o Legislativo mostrou todo seu peso. O problema é que na mesma semana que se resolve um conflito aparece outro.
O presidente Bolsonaro usou boa parte do seu repertório de xingamentos por ocasião da decisão liminar do ministro do STF Luiz Roberto Barroso de exigir o certificado de vacinação de viajantes, além do período de isolamento.
A decisão de Barroso levantou a ira de Bolsonaro e deu munição aos seus adversários. Não tardou para que o governador de São Paulo, João Dória (PSDB), viesse as redes comemorar a decisão. O mesmo foi feito pelo pré-candidato ao Planalto, Sergio Moro (Podemos), que publicou vídeo elogiando Barroso e salientando o aspecto da reciprocidade: "Estou no aeroporto embarcando para o exterior e foi exigido de mim o comprovante de vacinação contra o vírus, além do teste negativo”.
Vale lembrar que a adoção do passaporte de vacinação foi uma recomendação técnica da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O presidente não precisava comprar esse novo desgaste quando parte dos seus apoiadores começavam a defender a necessidade de cancelar festas de final de ano e carnaval por causa da nova variante, exatamente para desgastar os governadores adversários.
Mas eis que aparece o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e solta um sonoro e pomposo melhor perder a vida que perder a liberdade. Precisou vir a público se explicar e, como de praxe, colocar a culpa na interpretação dada pela imprensa. Foi depois dessa fatídica entrevista coletiva de Queiroga que o partido Rede Sustentabilidade impetrou a ação que deu ensejo à decisão de Barroso.
É provável que a decisão do ministro seja levada ao plenário do STF já na quarta-feira (15). É também provável que os outros ministros – à exceção de Kassio Nunes e de Gilmar Mendes – sigam a decisão de Barroso. Previsivelmente, o presidente argumentará que o Supremo extrapolou suas competências. Quem será que vai frear primeiro, Montesquieu?